Enquanto olhavam Ele se elevou.
(Atos dos Apóstolos I, 9)
Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria.
A Ascensão de Nosso Senhor ao Céu é um dogma de fé, expressamente contido na Sagrada Escritura e em todas as profissões de fé.
Essa Ascensão foi um verdadeiro movimento local. Cristo subiu ao Céu unicamente enquanto homem, tendo um corpo que ocupa lugar e que pode se mover. Mas a causa da Ascensão foi sua divindade. A natureza humana não tem capacidade de fazer isto por si mesma e foi a divindade de Nosso Senhor que fez com que seu corpo fosse para o Céu.
É necessário fazer aqui uma precisão. Como se sabe, uma das qualidades do corpo glorioso ressuscitado é a agilidade, pela qual pode deslocar-se localmente e com um movimento rapidíssimo aonde quer que a alma deseje, por causa do domínio perfeito e absoluto que a alma bem-aventurada exerce sobre seu próprio corpo ressuscitado. Ora, como dissemos, convém que o corpo ressuscitado esteja no Céu. Assim, a alma de Cristo, possuindo uma virtude especial recebida de Deus, quis fazer com que o corpo de Cristo subisse ao Céu.
Foi muito conveniente que Cristo ascendesse aos céus. Santo Tomás explica que o lugar deve ser proporcionado àquele que o ocupa. Com sua ressurreição Nosso Senhor começou uma vida imortal e incorruptível. Ora, esta terra em que vivemos está submetida à geração e à corrupção, ao surgimento de novos seres e à destruição deles, mas o Céu está absolutamente livre da corrupção. Assim, não convinha que Cristo ressuscitado permanecesse na terra, mas que ascendesse ao Céu.
Infelizmente fala-se muito pouco do Céu. É uma consequência do abandono da prática da religião católica, da apostasia silenciosa que presenciamos hoje. Antes de Bento XVI, Paulo VI, desde 1975, e João Paulo II, em 1983, em particular, haviam constatado uma profunda modificação da “percepção que o ser humano tem de si e do mundo, e que implicam em consequências sobre o seu modo de crer em Deus”.
É evidente que o julgamento que faremos de nossos atos, do mundo e de Deus será completamente diferente segundo o modo como vemos o mundo e segundo a convicção que temos de ser:
a) simples animais, evoluídos a partir de outros animais, e nada mais; ou homens, isto é, animais racionais, possuidores de inteligência e vontade, livres e responsáveis pelos seus atos.
b) seres auto-didatas, capazes de auto-iluminação, em via de emancipação total, caminhando irresistivelmente em direção do Grande Todo, o Ponto Ômega; ou simples criaturas, totalmente dependentes de Deus, que nos revela sua vontade e ao qual nós daremos contas de nossos atos.
Evidentemente, se nos vemos como simples animais, evoluídos a partir de outros animais, e nada mais, ou como seres auto-didatas, capazes de auto-iluminação, em via de emancipação total, caminhando irresistivelmente em direção ao Ponto Ômega, então não creremos no Céu, não esperaremos ir para o Céu, não o amaremos e não falaremos do Céu porque a boca fala da abundância do coração. Da apostasia silenciosa seguiu-se um grande silêncio sobre o Céu, ou uma alusão a ele segundo a qual ele seria um vago estado de espírito.
É verdade que a Igreja nunca definiu expressamente onde fica o Céu. Mas, se observamos os documentos do Magistério eclesiástico e os testemunhos dos Santos Padres da Igreja, não podemos negar sem grande temeridade que o Céu seja um lugar real. Cristo e Nossa Senhora estão no Céu com seus corpos. Infelizmente, é necessário reconhecer, o Céu é desconhecido pelos católicos. Ora, ninguém ama aquilo que desconhece, ninguém busca o que não ama.
A vida do Céu consiste em ver a Deus com nossa inteligência, diretamente, sem imagens intermediárias. Como disse Nosso Senhor dirigindo-se a seu Pai, “eis a vida eterna: que vos conheçam, verdadeiro único Deus” (S. João 17, 3).
Nesta vida, ao conhecermos uma pessoa, por exemplo, nós a conhecemos indiretamente, por meio de uma imagem dela, que recebemos pelos nossos sentidos.
No Céu não é assim. Deus não é material, não pode ser visto com os olhos físicos, tocado com nossas mãos físicas, ouvido com nossos ouvidos físicos. Aliás, neste instante as almas que estão no Céu não os têm, mas vêem a Deus com suas inteligências. Além disso, Deus é infinito e não há qualquer imagem que possa chegar a ter a menor semelhança com Deus para fazê-lo conhecido como Ele é. Ora, Nosso Senhor foi muito claro: a vida eterna consiste em conhecer a Deus, como Ele é.
Este conhecimento de Deus no Céu só pode se dar de um modo: Deus mesmo, Ele mesmo, Sua essência mesma, se une imediatamente à inteligência de cada bem-aventurado, sem intermediários, sem imagens semelhantes. Sem que nossas almas deixem de ser o que são, almas humanas, Deus se une diretamente a cada uma delas e pela inteligência que cada uma possui elas vêem Deus. Mais: esta visão que as almas têm de Deus no Céu faz com que elas O conheçam como Ele se conhece, imediatamente.
Por este conhecimento que as almas têm de Deus no Céu elas são feitas semelhantes a Deus e participam de sua felicidade tanto quanto uma criatura é capaz de fazê-lo e elas podem dizer sem qualquer receio: “Já não somos nós que vivemos, mas é Deus que vive em nós“.
Como Deus nos fez para o que é grande! Como Deus teve conosco uma generosidade que tem a Sua grandeza: nos deu uma alma capaz de ser unida diretamente a Ele! Não é possível que uma simples criatura, permanecendo simples criatura, seja mais semelhante a Deus. No Céu Ele elevará nossa inteligência e a ajudará com seu poder, para que nossa alma possa vê-lo em si mesmo! Depois de sabermos disso, como viver de modo medíocre?
Se há uma coisa para a qual Deus não nos criou, esta coisa é a mediocridade.
Deus, insisto, não criou o homem e lhe deu inteligência e vontade para falar inutilidades, para a impureza, para a inveja, para querelar, para falar mal dos outros, para falar grosserias e palavrões, para assistir filmes cheios de ofensas contra Deus e se vestir como se não fosse dar contas a Deus dos pecados que provoca. Deus não fez o homem para se enterrar em um celular e ser loquaz opinando sobre assuntos que ignora, ou para trapacear contra outro.
Há poucos dias comemoramos a festa de São Beda que, longe de ser medíocre, mereceu ser chamado de o “Venerável”. Ele amou a ciência sem que se deixasse tomar pela tibieza na oração, sendo escrupulosamente fiel a sua vida de religioso ao mesmo tempo em que possuiu uma erudição gigantesca. Ele mesmo escreve: “Coloquei todo meu interesse na meditação das Sagradas Escrituras; e, entre a observância da disciplina religiosa e o canto quotidiano do ofício no coro, sempre me foi doce o aprender ou ensinar ou escrever“. Seus comentários sobre o Antigo e o Novo Testamento iluminaram toda a Idade Média com os Santos Padres. Depois de uma vida de recolhimento, plenamente consagrada à ciência e à oração, morreu na sua pobre cela, onde havia trabalhado infatigavelmente, cantando serenamente “Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo“. Sem dúvida alguma São Beda vê Deus, agora, no Céu.
Não é sendo medíocres que iremos para o Céu, negligenciando o cuidado de nossas almas. Deus nos deu dois talentos: a inteligência e a vontade. Ele nos pedirá contas do uso que fizemos de ambas e se não dermos frutos nos enviará para o fogo eterno. Ao servo que recebeu dois talentos e que os fez lucrar, como São Beda, Deus dirá: “Servo bom e fiel, porque foste fiel no pouco eu te confiarei muito. Entra na alegria do teu Senhor“. Alí, no Céu, já não será nós que viveremos, mas Deus em nós. O muito que Deus nos dará será o infinito que Ele é.
Que assim seja, por sua misericórdia, pelos séculos dos séculos.
Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.
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