Sermão da Festa da Santíssima Trindade

Ó profundidade das riquezas da sabedoria e da ciência de Deus! Como seus designios são insondáveis e seus caminhos são incompreensíveis!.

(Rom. 11, 33)

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria.

O estudo teológico da Trindade é o mais sublime e profundo de toda a Teologia católica. Ele se apóia direta e indiretamente na revelação divina, uma vez que a inteligência humana, abandonada a si mesma, jamais poderia descobrir o mistério da Santíssima Trindade, nem mesmo suspeitá-lo, por causa de sua soberana e infinita transcendência.

Creio, e muitos teólogos o crêem também, que a exposição que Santo Tomás faz da Trindade na sua Suma de Teologia não tenha sido superada ainda por ninguém, tão perfeita e acabada ela é. Neste tratado tudo é unidade, harmonia, beleza, lógica impecável, luz e claridade sobre o mistério mais profundo de nossa fé. Parece ser o cume ao qual a inteligência pode chegar, neste mundo, na contemplação da Trindade.

Todos os católicos fiéis à doutrina ensinada pela Igreja crêem no mistério da Santíssima Trindade. É o maior mistério da fé católica. A Igreja Católica sempre ensinou, como dogma fundamental, que em Deus há três pessoas realmente distintas, Pai e Filho e Espírito Santo, em uma só essência ou natureza.

Porém, o que quase nenhum católico sabe, infelizmente, é que a Santíssima Trindade está realmente presente nas almas em estado de graça, por algo chamado de inhabitação divina.

É uma pena que não se dê a essa inhabitação de Deus nas almas a atenção que se deve. Ela é uma das verdades mais claramente manifestadas no Novo Testamento. Poderíamos citar pelo menos seis passagens que a afirmam, mas agora podemos nos contentar com duas de São Paulo: “Vós sois o templo de Deus vivo” (2 Cor. 6, 16) e “Não sabeis que sois templos de Deus e que o Espírito Santo habita em vós? Se alguém profana o templo de Deus, Deus o destruirá. Porque o templo de Deus é santo, e vós sois esse templo” (1 Cor. 3, 16-17). Além disso os Santos Padres, sobretudo Santo Agostinho, têm passagens belíssimas comentando o fato inefável da inhabitação divina na alma em estado de graça.

Os teólogos discutiram muito sobre a natureza da inhabitação das pessoas divinas na alma em estado de graça, no que ela consiste. Poderíamos contar pelo menos quatro opiniões defendidas por diferentes grupos de teólogos, em cada uma das quais eles tentam explicar no que ela consiste exatamente. As opiniões são muitas, os teólogos tomístas têm teorias diferentes e nenhuma das explicações dadas é até hoje inteiramente satisfatória para explicar o misterioso modo de como se dá a presença real das pessoas divinas na alma do justo. Aqui se aplica propriamente o espanto de São Paulo na epístola de hoje: “Ó profundidade das riquezas da sabedoria e da ciência de Deus! Como seus designios são insondáveis e seus caminhos são incompreensíveis!“.

Em todo caso, mais do que o modo como ela se realiza, interessa o fato da inhabitação de Deus nas almas em estado de graça, com o qual todos os teólogos católicos estão absolutamente de acordo.

Deus não faz nada por acaso. Sua sabedoria é profundíssima. A presença da Santíssima Trindade nas almas em estado de graça tem uma importância extraordinária na vida cristã. São três as finalidades dessa presença.

A primeira delas é a de nos fazer participantes de sua vida íntima divina. A Santíssima Trindade, habitando em nós como em um templo, não o faz de modo inerte. Nada disso. A presença de Deus em nossas almas pela graça é infinitamente superior a esse modo. Somos templos vivos de Deus e possuímos as pessoas divinas de um modo vital. A graça nos faz nascer para uma nova vida, nos faz participar da vida de Deus. O que Deus faz habitando numa alma? Nada mais do que lhe comunicar sua vida, fazer dela uma filha sua. Esta geração não se dá como a geração humana de um filho, de modo limitado no tempo. No plano natural um filho tira sua origem de seu pai, mas começa a ser e a viver de modo independente do pai. Na vida sobrenatural não é assim. A filiação divina que nos é dada supõe um ato contínuo de Deus, sem interrupção enquanto a alma continua amiga sua. Na alma em estado de graça as três pessoas divinas a geram sobrenaturalmente para a vida divina, vivificando-a com sua própria vida, introduzindo nela esta vida pelo conhecimento de Deus e pelo amor de Deus.

A segunda finalidade da presença da Santíssima Trindade em nós é a de constituir-se no motor e na regra de nossos atos. A graça é uma participação da vida de Deus em nós e essa vida deve se manifestar por obras virtuosas. As virtudes que Deus nos dá, juntamente com a graça, são inicialmente regradas pela razão iluminada pela fé. Ora, a razão, mesmo iluminada pela fé, é um motor de pouca potência, uma régua muito curta para atos tão elevados e não basta para que as virtudes sejam perfeitas. Para que as virtudes sejam perfeitas elas devem ser aperfeiçoadas pelos dons do Espírito Santo. Para as sete virtudes, três teologais e quatro cardeais, há sete dons. As virtudes, regradas pela razão humana, atuam de modo humano. Sob a ação dos dons, as virtudes recebem um modo divino de atuação. Somente sob a ação dos dons é que chegamos até a plenitude da vida da graça. Pelos dons se realiza o que Nosso Senhor disse: “Vim para que os homens tenham vida, e vida em abundância“.

Finalmente, pela inhabitação da Santíssima Trindade em nossas almas, ela se constitui em um objeto fruitivo de experiências inefáveis. Os maiores santos e místicos experimentais atestaram experimentar a presença da Santíssima Trindade agindo intensamente neles. Além de Santa Teresa d’Ávila e de São João da Cruz poderíamos citar inúmeros textos de outros santos. Eles só confirmam os ensinamentos mais elevados da Teologia e de Santo Tomás de Aquino na sua Suma Teológica: “O dom da graça santificante aperfeiçoa a criatura racional para deixá-la em estado (…) de gozar da Pessoa divina ela mesma” (I, q. 43, 3).

Este conhecimento experimental de Deus é substancialmente o mesmo que temos pela razão iluminada pela fé. Mas quanto ao modo ele é infinitamente superior. A fé nos diz que em Deus há três pessoas distintas em uma só essência. Com ela temos um conhecimento sobrenatural de Deus tal como ele é um si mesmo, mas esse conhecimento não ultrapassa a ordem intelectual. Naqueles que provam a presença de Deus em suas almas, aquilo que eles conheciam com a inteligência se torna palpável. Uma coisa é saber que uma fruta é agradável ao paladar, mas nunca tê-la comido. Sei que é verdade porque aquele que me diz não quer me enganar e não pode se enganar. É assim conhecer Deus pela fé e tê-lo pela caridade. Mas eu tomo essa fruta e a como, e sinto seu gosto e conheço por experiência que era verdade o que me diziam. Eis Deus conhecido pela experiência mística.

O Salmo 33 nos diz: “Provai e vede como o Senhor é suave“. No seu comentário a este texto, Santo Tomás mostra que a comparação com o paladar exprime melhor a natureza da experiência mística do que o tato. Este permanece na superfície das coisas, mas o paladar faz com que as coisas entrem em nós e penetra na substância delas.

De tudo isso que dissemos cabe duas notas. A primeira é que esta experiência da presença de Deus na alma em estado de graça tida por grandes santos difere absolutamente da qualquer falsa experiência com a divindade ensinada por religiões esotéricas e pelo modernismo. Nelas Deus está substancialmente em todos os homens, é imanente a eles; aqui, Deus transcendente a toda criatura está presente por este modo muito particular somente nas almas em estado de graça, e este modo de estar presente nas almas em estado de graça não faz de Deus um só ser com o homem. Nelas esta experiência é irracional e sentimental; aqui ela é a perfeição do conhecimento que a inteligência tem iluminada pela fé. Nelas o homem alcança por suas próprias forças naturais uma experiência com a divindade; aqui esta experiência é sobrenatural e o homem é incapaz de tê-la por suas próprias forças. Nelas o homem, por essa experiência, se diviniza no sentido estrito do termo, torna-se Deus e está além do bem e do mal; aqui o homem permanece uma simples criatura, ainda que tão próxima de Deus quanto é possível neste mundo: um verdadeiro prelúdio do Céu.

A segunda observação é que este cume de vida espiritual está bem longe de ser uma graça anormal ou extraordinária. A excelência da vida cristã é para todos. Ela entra no desenvolvimento normal da graça santificante que recebemos no batismo, a plena perfeição da vida católica só se encontra aí, é para ela que Deus nos criou, é para chegarmos nela que Nosso Senhor se encarnou e morreu na Cruz e Deus dá a todos nós as graças suficientes para chegarmos a essa perfeição. Ela não é um privilégio possível somente a uns poucos aristocratas do espírito.

Para isso Deus nos dá na Eucaristia seu mesmo corpo que foi moído na Paixão, escancara as portas de sua misericórdia no tribunal da Confissão, pede constantemente, mas com delicadeza, porque Ele não é escandaloso, que nos recolhamos e rezemos, nos deu Nossa Senhora como mãe e via segura de perfeição e salvação, pensando em nosso bem quando passava pelas dores mais horríveis, e enviou o Espírito Santo a sua Igreja sob línguas de fogo, porque ele veio por fogo no mundo e não quer outra coisa a não ser que ele arda.

Ele pede de nós que deixemos a mediocridade e o conhecimento puramente teórico que temos dele e que nos lancemos na profundidade das riquezas de sua sabedoria, provando como ele é suave para termos todos vida em abundância.

Vinde Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis e acendei neles o fogo de vosso amor“.

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.

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