Sermão do V Domingo depois de PentecostesO pecado da murmuração – Parte I

Refreie a sua língua do mal, e os seus lábios não falem engano.

(1 S. Pedro 3, 9-10)

[Imagem: Suzana sendo caluniada pelos dois anciãos]

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

A Epístola e o Evangelho da missa de hoje nos permitem tratar dos pecados que se comentem falando mal dos outros, e nos referimos aqui mais exatamente à detração ou murmuração (estes são os termos precisos para esse pecado): a lesão injusta à fama do próximo, quando ele está ausente. Injusta, porque com causa justa é permitido manifestar a culpa do próximo. No breve tempo que temos aqui não é possível tratar de modo completo sobre a detração. Tentaremos ver alguns pontos que sejam frutuosos, hoje e no próximo sermão. No mais, se alguém tem alguma dúvida sobre o que é permitido ou não, e se é grave ou leve, pergunte a um confessor que conheça sua Teologia Moral, e ele dará os esclarecimentos necessários.

  • De acordo com Santo Tomás, há oito modos de lesar a fama do próximo: 1. atribuindo-lhe algo que ele não fez, o que é calúnia; 2. Aumentando o mal; 3. Revelando um pecado oculto, desconhecido do outro; 4. Interpretando mal a intenção com que uma boa obra foi feita; 5. Se recusando a crer que o próximo tenha feito um bem (“Quem? Tal pessoa, ter feito este bem? Não creio… Eu o conheço“.); 6. Se calando quando outros louvam alguém, e com tais circunstâncias que esse silêncio é visto como indicativo de que a pessoa louvada não merece os elogios que estão sendo feitos (atenção: o silêncio pode ser causado pela timidez, pela prudência, pelo temor de que, falando, acabe ocorrendo um mal maior, etc…); 7. Diminuindo as virtudes do próximo; 8. Elogiando o outro de modo fraco, o que dá a entender que, na verdade, a pessoa não merece tanto elogio assim.
  • Evidentemente, é necessário ter a balança da inteligência bem calibrada, para sabermos quando esses pecados são leves e quando são graves. Para calibrarmos bem nossa inteligência, é bom vermos o que pensam as pessoas de bom senso que trataram da questão. Como diz Aristóteles, na sua Ética: “A respeito de uma verdade, devemos levar em conta não somente nossos raciocínios, mas também aquilo que é afirmado habitualmente [pelas pessoas de bom senso], pois todos os fatos acabam se harmonizando com um princípio verdadeiro, ao passo que a realidade fica rapidamente em desacordo com um princípio falso” (1098b10-12). Assim:
  1. Não há pecado algum quando uma pessoa sofreu uma injustiça, ou foi vítima de algum mal feito por alguém, e revela isso a um amigo, para atenuar a dor da ofensa recebida. Não só esse modo de proceder é comum, como a verdade é que seria muito duro exigir de alguém ofendido que não falasse nada para ninguém, e não pudesse manifestar sua dor a um amigo. Não se visa, com isso, nenhum mal a ninguém. Mais: é um meio que a própria natureza nos dá de aliviarmos nossas dificuldades. Santo Tomás diz aqui que: “todo mal reprimido aflige mais por aumentar a contenção da alma. Mas quando ele se expande, para o exterior, essa contenção como que se esvai e então diminui a dor interna. E por isso, quando, tomados da tristeza, a manifestamos exteriormente pelo pranto ou gemido, ou ainda, pela palavra, nós a mitigamos” (I-II, q. 38, a. 2, c.). Por isso, em muitos casos, as pessoas estão desculpadas pelo menos de pecado mortal quando contam para um amigo prudente o que fizeram com elas: empregados a respeito dos patrões, um esposo em relação ao outro, os pais que falam das ingratidões que receberam dos filhos, ou os filhos que contam algo a um amigo em relação a uma injustiça que receberam dos pais, etc. A condição é que seja feito para desabafar e ver melhor o que fazer, refletir com a ajuda de um conselho, etc., e não a de explodir em indignações por raiva e falta de caridade.
  2. Se a revelação de um pecado é feita a uma outra pessoa só, por leviandade e sem motivo, é pecado venial. Não se pode dizer que a pessoa que pecou teve sua fama lesada. A fama é a opinião que um conjunto de pessoas tem sobre outra. Por isso, revelar o pecado de outro para uma ou duas pessoas prudentes e de bom senso, por leviandade e sem motivo, não será, geralmente, pecado grave. E, se essas pessoas são prudentes, não sairão espalhando o que ouviram. Outra coisa bem diferente é fazer isso por ódio, ou para minar uma amizade, por exemplo.
  3. Alguns pensam que podem revelar o pecado de outro depois de ele ter se arrependido e voltado atrás. Não se pode contar o pecado de alguém juntamente com a penitência feita depois do arrependimento. Manifestar a culpa de alguém não fica compensada simplesmente por acrescentar juntamente a penitência posterior, porque sempre fica alguma opinião negativa, mesmo se a pessoa se arrependeu depois.
  4. Existem pessoas que, por desejo de perfeição, se esforçam sempre para aplicar o princípio ensinado por Santo Tomás e Santo Inácio de Loyola, de que “devemos, o tanto quanto é possível, interpretar bem as ações do próximo“. Elas fazem bem, sem dúvida, e estão certas. Mas tendem a não se dar conta de que isso deve ser encaixado também com o governo da sociedade. Acontece que “governar é prever“, e os superiores devem sempre estar atentos para ver se um membro da sociedade está fazendo algo que possa prejudicá-la, objetivamente falando. E se os superiores sempre procurassem interpretar bem as ações do próximo também nos cálculos que fazem de governo de uma sociedade, muitas vezes eles não veriam os problemas ocorrerem bem diante dos seus olhos, porque de boa interpretação em boa interpretação ele nunca veria prejuízo nenhum sendo feito de fato. Assim, quando se trata de governar uma sociedade, o chefe deve sempre se perguntar: “Onde isso que esta sendo feito pode acabar? No que isso pode dar?“. E como governar é prever, o superior tem direito de dizer “não” para certas coisas que ele estime de modo razoável que não vão bem. O que o superior deve fazer é evitar a suspeita temerária, que é pecado. Mas ele não precisa esperar ter a evidência de um problema para agir, porque muitas vezes essa evidência só aparecerá quando for tarde demais, e o prejuízo já estiver instalado, sem chance de conserto. Basta que seja algo que possivelmente cause problemas. Basta esta possibilidade para o superior intervir. Isso não quer dizer que o superior tenha certeza de má intenção na outra pessoa. Como dissemos, ele deve evitar a suspeita temerária. Mas, para prever ― e governar é prever ― é necessário fazer cálculos, muitos dos quais são de pura possibilidade, para que se possa escolher a decisão mais segura para todos, ainda que não dêem necessariamente certeza absoluta de que seja aquilo mesmo. Assim, nestes casos, não se pode dizer que o superior esteja lesando a fama de outro. Sobre isso, me lembro de um professor do seminário, que dizia: “Quem sempre tenta interpretar tudo no melhor sentido podem ser mais santo do que os outros, mas não serve para governar”. Isso não quer dizer que governo e santidade sejam incompatíveis, mas às vezes quem governa precisa sentir o cheiro de problemas já de longe, o que implica nem sempre ver tudo só sob o melhor aspecto.

Na próxima semana vermos algumas últimas coisas sobre a murmuração, e como devemos reparar o prejuízo que fizemos aos outros, falando mal deles.

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.

 

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