Se a vossa justiça não for mais excelente do que a dos escribas e fariseus, não entrareis no Reino dos Céus.
(S. Mateus 5, 22)
Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria.
Todos os vícios, defeitos e imperfeições são filhos e discípulos de nosso amor próprio e do demônio. Ambos, nosso amor próprio e o demônio, se esforçam por cobrir os vícios e defeitos com o nome de virtudes, para enganar os que os têm.
De fato, muitos modos de agir e muitas intenções parecem, num primeiro olhar, virtuosos. A pessoa que as tem está muito satisfeita com eles. Mas quando chega a ocasião da virtude ser testada, aí então ela se mostra falsa. Por isso os autores espirituais comparão estas falsas virtudes com o ouro ou a prata falsificados, aos quais foi acrescentado uma liga de metal ordinário e sem valor, mas com tal habilidade que eles ainda parecem ser ouro ou prata puros. Porém, quando colocados no fogo, o ouro e a prata se separam dos outros metais sem valor aos quais estavam unidos, e deixam a descoberto a liga que os falsificava.
Agora, assim como os falsificadores buscam falsificar aquilo que é mais precioso, prata e ouro, para compensar todo o trabalho e risco que têm, também o demônio se esforça por falsificar a caridade, que é a maior das virtudes, e sua prática na pessoa do próximo. Consideraremos aqui as falsas caridades que existem, porque no Evangelho de hoje Nosso Senhor pede que nossa caridade seja excelente, sem mistura de outras impurezas.
Primeiramente, não pode ser verdadeira caridade o amor que têm entre si os cúmplices e cooperadores em qualquer ofensa contra Deus. Tão longe está de ser verdadeiro amor que, antes, é verdadeira inimizade. O Sagrada Escritura se refere a eles nos seguintes termos: “A reunião dos pecadores é como um emaranhado de estopa e eles terminarão consumidos pelo fogo” (Eclesiástico 21, 9). De fato, quando o fogo da malícia pega em um deles, todos os outros se queimam juntamente; e como nesta vida foram companheiros na culpa, serão companheiros, na outra, dos tormentos.
Não é caridade verdadeira os sinais exteriores de afeto, de benefícios, as correspondências, as visitas, as conversas familiares que têm os que vivem em pecado grave. Pode ser uma amizade natural, como existe também entre os que não são católicos, mas não é verdadeira caridade sobrenatural. O motivo é que não há fruto sem raíz, e o amor para com o próximo procede do amor para com Deus. É amar a Deus no próximo. Ora, se a alma não é amiga de Deus, não pode ter verdadeira caridade para com o próximo. Mais: o preceito da caridade manda que amemos ao nosso próximo como nos amamos a nós mesmos; ora, quem está em pecado mortal não se ama a si mesmo, pois ama ao pecado que é o seu maior mal: “Quem ama a iniquidade odeia a sua alma” (Salmo 10, 6). Tais demonstrações de amizade podem ser honestas, louváveis e necessárias, pertencendo a outras espécies de virtudes morais. Porém, não serão, naqueles que vivem em pecado, verdadeira caridade sobrenatural.
Existe uma outra falsificação da caridade que é mais difícil de discernir, e que está muitas vezes presente naqueles que são amigos de Deus, mas que não se fundamenta em Deus. São Paulo, ao falar de qual era a sua caridade para com o próximo, diz: “Deus é testemunha de que vos amo a todos nas entranhas de Cristo” (Filipenses 2, 8).
Temos aqui três sinais que caracterizam a caridade: 1) Ela deve ser para com todos. Se nosso afeto se extende a alguns próximos e exclui outros, então não se fundamenta em Deus. Deus amanda amar a todos, inclusive os inimigos: “Vos amo a todos”; 2) É uma amizade que não foge da presença de Deus mas, ao contrário, a busca; ninguém que ama o próximo por amor a Deus tem medo de o fazer diante de Deus: “Deus é testemunha“; 3) É amizade que não nasce das próprias entranhas, mas das de Jesus Cristo, isto é, que nos faz amar o próximo não com amor humano, mas espiritual: “nas entranhas de Cristo“.
O que significa amar nosso próximo nas entranhas de Cristo?
Primeiramente, se ao mesmo tempo em que lhe desejo bens materiais me entristeço também com seus males espirituais, pecados e imperfeições, que acendem em mim o zelo e me faz acudi-lo com esmolas espirituais de correção fraterna e de admoestações.
Depois, assim como os frutos de uma árvore serão bons se ela se nutre em boa terra, assim também devo ver do que se alimenta o amor que tenho pelo meu próximo. Se me interesso por ele porque é jovem e simpático; por suas qualidades naturais; por sua capacidade de manter uma conversa; por guardar segredo dos erros que cometo, sendo cúmplice deles; por concordar sempre com o que digo; porque posso fazer diante dele ações que são menos dignas ou que não são dignas de Deus; porque passa seu tempo comigo; porque divide comigo algum bem; porque se junta comigo contra um inimigo comum e isso faz com que nossos defeitos fiquem menos visíveis; porque me prefere mais do que a outras pessoas; então, em todos estes casos este amor não é verdadeira caridade sobrenatural, mas amor pecaminoso ou, no melhor dos casos, meramente natural.
Ao contrário, se o amor se alimenta das virtudes que o outro tem, como humildade, modéstia, espírito de sacrifício, obediência, pobreza; nas ajudas que me dá para evitar o pecado; nos bons conselhos que me dá; porque vejo que é espírito de oração, que reza muito e fala pouco; que cumpre bem suas obrigações e combate até as menores imperfeições; então amo ao meu próximo nas entranhas de Jesus Cristo.
Podemos acrecentar um último sinal: quando falo com alguém, ou se ela me vem à memória, e isso me faz crescer na piedade e na devoção, então é sinal de ser amor espiritual. Mas se vejo em mim os efeitos contrários, ou mesmo se não há em mim fruto algum, me vendo tão devoto ao conversar com uma pessoa quanto se não conversasse com ela, então é sinal de que é amor terreno.
O motivo de tudo isso é o princípio seguinte: “as coisas semelhantes, quando se juntam, reforçam-se mutuamente, crescem e se conservam melhor“. Muitas brazas duram mais se estão juntas; dois homens sábios que vivem juntos tornam-se mais sábios.
Por estes critérios já podemos ver que, se provarmos o metal de nossa caridade, muitas vezes se verá que a maior parte não é ouro.
Porém, Nosso Senhor disse que nossa justiça deve ser mais excelente do que a dos fariseus. Os fariseus convidavam outros para banquetes em suas casas, na esperança de também receber outro convite como retribuição; também se uniam porque concordavam entre si nos juízos que tinham; também viviam em pecado mas manifestavam entre si sinais exteriores de afeto e de amabilidade; também criticavam Nosso Senhor para que seus vícios ficassem menos visíveis. Como ser mais excelentes que eles, então?
Primeiramente, devemos retificar nossas intenções sempre que podemos, antes de agir. Parar por alguns instantes e se determinar a falar com alguém, ou fazer algo, somente para a maior glória de Deus, durante o tempo necessário e não mais, não por erudição orgulhosa mas para crescer no amor de Deus. Ter, assim, bem diante de nós, o fim último para o qual fomos criados: conhecer, amar e servir a Deus neste mundo, para tê-lo no outro.
Em segundo lugar, praticar a mortificação dos sentidos, dos nossos gostos e opiniões. Se afogamos nossos interesses não lutaremos por eles, porque ninguém lutar para ter o que não deseja. Evidentemente, aqui, falamos de interesses mesquinhos e que não se orientam ao bem das almas. Uma opinião ou convicção que se dirige para a glória de Deus deve ser mantida, sem dúvida. Porém, por causa do amor próprio, corremos o risco de nos enganar nesta avaliação e devemos ter cuidado.
Em terceiro lugar, compreendermos o que é o homem, colocando-o no seu justo lugar. Com isso não buscaremos nos unir a outros, por interesse pessoal, ou querer aparecer. Santo Inácio, nos seus Exercícios Espirituais, nos dá uma meditação que nos ajuda muito a combater nosso amor próprio: “Considerarei quem eu sou (…). Primeiramente, o que sou em comparação a todos os homens? Depois, o que são todos os homens em comparação com todos os anjos e todos os Santos do Paraíso? Em terceiro lugar, quem são todas as criaturas em comparação com Deus? Logo, enfim, o que eu sou? Depois, considerarei toda a corrupção e infecção de meu corpo. Finalmente, me verei como uma úlcera e um abscesso de onde saíram tantos pecados, crimes e sujeiras vergonhosas“.
Em quarto lugar, examinar todos os dias nossa consciência, vendo com que afetos, finalidades e inclinações fizemos nossas obras e usamos nossa boca. Devemos prestar atenção para vermos qual foi o peso que predominou em nossas almas nos atos qui fizemos: se foi para as criaturas, para mim mesmo, ou para Deus. O peso da pedra a inclina para baixo. O “peso” do fogo o dirige para o alto. Como diz Santo Agostinho, “o amor que tenho é o meu peso“, isto é, é aquilo que me inclina para algo. Se me amo excessivamente, buscarei meus interesses acima dos de Deus. Se amo a Deus sobre todas as coisas, então buscarei Deus em tudo.
Finalmente, pedindo a Deus que sua lei de caridade esteja inscrita nos nossos corações, isto é, nas nossas inteligências, vontades e afetos. A devoção ao Sagrado Coração é um meio excelente de obter essa graça: “Jesus, manso e humilde de coração, fazei o meu coração conforme ao vosso“.
Assim nossa caridade será perfeita. Sem mistura de impurezas, será mais excelente do que a dos fariseus e poderemos ouvir de Nosso Senhor: “Vinde, benditos de meu Pai, receber a recompensa que vos foi preparada desde o começo do mundo“.
Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.
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