Sermão do VI Domingo depois de Pentecostes

E tomando sete pães, dando graças, os rompeu e os deu a seus discípulos para os servir; e eles os serviram à multidão; eles comeram e ficaram satisfeitos, e recolheram os fragmentos restantes, totalizando sete cestos.

(S. Marcos 8, 6-8)

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

Hoje o Evangelho da Santa Missa no apresenta um milagre impressionante feito por Nosso Senhor: de sete pães e dois peixes ele tirou do que dar de comer a quatro mil homens. Como todos nós sabemos, das ações de Nosso Senhor podemos tirar inúmeras lições morais para nossas vidas. Mas hoje veremos esse milagre de modo mais geral. Não o analisaremos em particular, mas trataremos de princípios mais gerais, buscando responder as perguntas seguintes: o que é um milagre, quem pode fazê-lo e por quê? Por que Nosso Senhor multiplicou os pães hoje, e como ver esse milagre no conjunto da obra de Cristo?

Deus, se ele o quer, pode falar aos homens. Mas ao falar com os homens ele certamente quer ser escutado. Deus deve, então, fazer com que seu ensinamento seja reconhecível, isto é, a Revelação deve ter características que atestam de modo certo a sua origem divina. Deste modo, aqueles que receberão a Revelação darão sua adesão de modo sensato, mas aqueles que a rejeitarão “serão inexcusáveis” (Rom. 1, 21). Estes sinais que mostram a origem divina de uma revelação recebem o nome de motivos de credibilidade, porque eles fazem com que a verdade revelada seja credível e nos levam a recebê-la.

Todos aqui compreendem facilemente o problema. Imaginemos que um homem comece a dizer em público: “Antes que Abraão fosse, eu sou“, “Os teus pecados estão perdoados“, “Eu e o Pai somos um“, isto é, em resumo: “Eu sou Deus“. Mais ainda, imaginemos que depois disso ela diga ainda: “Há um só Deus, mas em três pessoas realmente distintas, Pai e Filho e Espírito Santo; elas não totalizam três deuses, mas são um só Deus“. Pois bem, quem de nós acreditaria no que ouvimos? Não teríamos um primeiro movimento de negar qualquer adesão de nossa inteligência a afirmações que são absolutamente incompreensíveis e que ultrapassam totalmente as capacidades da razão? Só poderemos crer nessas afirmações se elas vierem acompanhadas de motivos de credibilidade, isto é, um critério indiscutível do sobrenatural, uma espécie de carimbo de autenticação feito por Deus e que garante a veracidade do que é ensinado. Nós temos este carimbo de autenticação nos milagres.

Para confirmar nossa inteligência na adesão às verdades reveladas o milagre deve ter algumas características próprias. Primeiramente, o milagre não é algo necessário. Com efeito, seria ilógico dizer: “A prova de que essa doutrina é verdade é que o sol nascerá amanhã”. Um fato que acontece necessariamente não pode servir para comprovar a Revelação. Em segundo lugar, o milagre deve ser conhecido por experiência, isto é, deve ser visto, ou tocado, ou recebido por qualquer outro sentido. Ser conhecido pela experiência não é sinônimo de poder ser submetido a uma experiência em laboratório. O milagre do Sol, em Fátima, foi visto por milhares de pessoas, mas evidentemente não pode ser reproduzido em laboratório novamente. Seria absurdo querer que um milagre nos seja oferecido conforme o nosso bel prazer. É o que fizeram os saduceus e fariseus quando pediram a Cristo um milagre: “Para tentá-lo, pediram que lhes fizesse ver um milagre vindo do céu” (S. Mateus 16, 1).

Em terceiro lugar, o milagre deve ter Deus como autor. A revelação precisa de uma comprovação estritamente divina. Como afirma Santo Tomás, “o milagre é um testemunho divino” (De potentia, q. 6, a.1). A Verdade absoluta, Deus, que não pode se enganar nem nos enganar, não pode colocar seu poder ao serviço do erro e da mentira, caucionando afirmações falsas e irresponsáveis. Citando mais uma vez Santo Tomás, “a finalidade do milagre é, principalmente, de confirmar a verdade ensinada. As verdades da fé ultrapassam a inteligência humana e não podem ser provadas por provas humanas. Assim, elas devem ser provadas pelo argumento do poder divino; para que, quando o enviado de Deus realiza obras que somente Deus pode fazer, então se creia que o que ele diz é de Deus” (Suma Teológica III, q, 43, a, 1). Finalmente, ele deve estar ligado à doutrina revelada. Eles devem estar ligados real e objetivamente entre si. Por exemplo, a constância heróica dos mártires professando a fé traz consigo o valor da mesma fé que eles defendem; ou quando Cristo cura um paralítico logo após ter dito que seus pecados estavam perdoados, manifestando a veracidade da afirmação de Cristo.

Podemos definir, então, o milagre como “um fato sensível que se produz fora da ordem natural e que, ultrapassando o poder de qualquer causa criada, só pode ter Deus como autor”. Ou, de modo mais simples, “um fato sensível extraordinário e divino”. A finalidade dele é dupla: confirmar a verdade de uma doutrina ensinada; e manifestar a santidade de um homem que Deus quer propor aos outros como exemplo, o que se dá com os santos e, maximamente, com Cristo.

Alguém poderia querer recusar o milagre afirmando que eles são causados por forças naturais que são ainda desconhecidos para a ciência. A eles devemos responder que se não conhecemos até onde vão as forças da natureza, por outro lado sabemos até onde elas não vão. Combinando oxigênio e hidrogênio nunca obteremos cloro; semeando trigo nunca colheremos rosas. Do mesmo modo, a palavra humana nunca será capaz, por si mesma, de acalmar uma tempestade ou de ressuscitar um morto. Não é partindo um pão e distribuindo ele que, fazendo uso das forças da natureza, obtem-se alimento para quatro mil pessoas e sete cestos de sobras. Sabemos com certeza que as forças da natureza não dependem da vontade livre do homem, nem está submissa as suas orações ou méritos ou virtudes. Logo, se após as orações de um homem virtuoso um fato extraordinário se produziu, concluímos sem erro que foi Deus quem agiu, e não alguma força natural despertada pela oração. Temos todo o direito de nos perguntar por que acontecem milagres no túmulo do Cura d’Ars, mas não no túmulo de Lutero, e por que uma suposta força natural oculta agiria lá, mas não aqui. O fato é que num milagre a ação divina é a única explicação razoável dentre todas as explicações que podem ser apresentadas pela má-vontade humana.

Finalmente, é necessário dizer que o milagre feito por Deus se dirige a todos os homens. É falso dizer que o milagre só pode ser conhecido e identificado por aqueles que têm fé. No fundo, tal afirmação pretende que o milagre não passa de um fruto da imaginação ou de uma consideração ansiosa e precipitada daqueles que crêem em algo, que querem continuar crendo e que se forçam para buscar um milagre a todo custo, porque no fundo a fé seria algo irracional e sentimental precisando constantemente de bengalas para ser sustentada. Ora, a Igreja nos diz que o milagre é um meio perfeitamente apropriado para todas as inteligências.

Quando Cristo ressuscitou Lázaro, até os judeus que odiavam Nosso Senhor viram um morto de quatro dias que estava em decomposição sair vivo do túmulo. Era tão claro e evidente que ele dirão: “O que faremos? Este homem faz muitos milagres“. Até os que combatiam Nosso Senhor e que não davam fé as suas palavras tiveram que reconhecer os milagres que ele fazia. O milagre do Sol, em Fátima, foi noticiado nos jornais. O milagre é tão fácil de ser reconhecido que se, por absurdo, ele viesse unido a um erro, então poderíamos dizer: “Meu Deus, se é um erro, então é o Senhor que nos induziu a ele”.

O homem moderno tem um problema com o sobrenatural e, consequentemente, com o milagre. É através de um programa de vida que optamos por uma forma de pensar. O uso que determinamos fazer da vida decide a orientação que imprimimos às nossas idéias. Neste mundo há duas atitudes radicais que determinam caminhos opostos: ou amamos a verdade acima de tudo e a investigamos com sinceridade absoluta, ou nos amamos mais do que à verdade e o fumo dessa desordem perturba a serenidade da visão intelectual que deveria nos orientar. O amor de si levado até o desprezo de Deus: eis ai a raiz moral da incredulidade e o princípio de todas as infelicidades humanas. São João é claro quanto a isso no seu Evangelho: “Os homens amaram mais as trevas do que a luz, porque suas obras eram más” (S. João 3, 19).

Como o homem é um composto de alma e matéria, a recusa do sobrenatural pode se fundamentar em uma ou outra. Em alguns o amor de si apega-se à parte superior do homem, ao racional. É a recusa de qualquer submissão, a pretensão de uma independência sem limites, é o orgulho. Em outros, o amor desordenado orienta suas preferências para os bens da vida animal: é a escravidão da carne, a sensualidade. Em ambos os casos a desordem fundamental é a mesma: uma tentativa frustrada de resolver o problema da felicidade fora do Bem infinito. O homem, limitado e imperfeito, ama-se a si mesmo sobre todas as coisas. O orgulho, impureza da alma; a impureza, orgulho do corpo. Além disso, é comum que ambos venham unidos. O orgulho é um desejo desregrado da própria estima, oposto à virtude da humildade, ligada à virtude da temperança. Seria de espantar, então, que a ausência de uma virtude ligada à temperança conduza à impureza?

A modernidade põe o homem como fundamento de tudo. Só se deve aceitar o que é absolutamente determinado pelo homem, e isso é levado a tal ponto que se quer passar um rolo compressor sobre a realidade, negando-se a verdade mais clara que existe: Deus nos fez homem e mulher e nenhum capricho humano é capaz de mudar esta realidade um só milímetro. A modernidade, pelos princípios fundamentais que a regem, é incompatível com a religião católica. Mais do que nunca a última proposição condenada do Syllabus tem toda a sua validade: “O Pontífice Romano pode e deve se reconciliar e transigir com o progresso, o liberalismo e a civilização moderna“. A Igreja nunca foi contra o verdadeiro progresso, que dirige os homens para Deus; mas se sob o nome de civilização e modernidade devemos entender o que foi inventado para enfraquecer e destruir a Igreja, e aquelas leis que são intrinsecamente más opondo-se totalmente à Lei de Deus, então a Santa Sé e o Santo Padre nunca poderão se aliar a uma tal civilização.

É contra este espírito de deificação do homem, mas que termina por fazê-lo agir de um modo pior do que o dos animais, que devemos nos posicionar. É necessário, como escreveu Bento XVI na sua encíclica Spe salvi, uma mudança no nosso estilo de vida, e devemos ter sempre diante dos olhos que Deus amou tanto o mundo que lhe deu seu Filho único para que todo aquele que crer nele não pereça, mas tenha a vida eterna. É necessário orientar nossas vidas para agir sempre sob o olhar de Deus, que nos deu pelos milagres provas claríssimas da veracidade de seus ensinamentos revelados, e examinar seriamente cada coisa que faz parte de nossos hábitos para averiguar se estão conformes à vontade de Deus para conosco ou conformes aos princípios da modernidade. Não nos enganemos: a árvore cai para o lado ao qual está inclinada.

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.

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