Sermão da Quinquagésima

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

Hoje veremos os inimigos internos da família. Muitos são claramente contrários à família: contracepção, divórcio e mesmo a separação total ou parcial dos esposos, aborto, o abandono da educação dos filhos. Mas há outros inimigos que são menos evidentes, porque não são tão chocantes e porque estão nas famílias de modo habitual e saindo das próprias fraquezas humanas.

1. — A familiaridade excessiva. Familiaridade é um termo que vem de família, e poderia ser usado no sentido de uma maior união entre os membros da casa.  Mas o sentido que usamos aqui é outro. Quando se introduz na casa um modo de se relacionar com os pais, entre os cônjuges e entre os irmãos que é pouco respeitoso, a família sofre muito com isso. As virtudes cristãs fazem com que haja na casa um clima de doce firmeza no governo dos seus membros e de reverência mútua. Esta atmosfera é, por sua vez, meio de cultivo das virtudes cristãs. Mas se os pais agem com os filhos de modo infantil, não exigem os deveres deles quando devem fazê-lo, se os filhos olham os pais sem ver a autoridade de que estão dotados por Deus, os membros da casa começam a se tratar como colegas e isso prepara e causa freqüentes desrespeitos dos filhos para com os pais, entre os esposos, e dos pais para com os filhos. Trocam-se frases acidas e espinhentas, não se ajudam uns aos outros quando precisam, consola-se o outro de modo ríspido (de modo que nem se torna um consolo, mas um motivo a mais de decepção e de irritação), etc.

2. A frivolidade. — Por frivolidade queremos dizer aqui uma vida de mariposeio. No concreto, consiste em que um membro da casa (ou vários) não tenha um foco nas suas atividades, e foco em algo que acrescente bens à família. A inteligência passa de assunto em assunto por curiosidade e não considera nada de modo ao menos um pouco profundo, a vontade se acomoda em uma espécie de anemia, o senso estético (do que é bom, do que é belo, do que é decoroso, do que é nobre) não é formado, e a pessoa é como um balão que nunca se mexe a não ser para onde o vento a leva e sempre com movimentos suaves… Ela nunca age de modo vigoroso, com entusiasmo por algo sério e nobre, quanto mais por Deus, o qual ela não vê. “Não pense tal pessoa que vai receber alguma coisa do Senhor, dúbio e inconstante como é em tudo o que faz” (S. Tiago 1, 7-8).

As conversas são superficiais, e também as preocupações, as leituras (quando se lê algo…), as coisas com as quais se ocupa. As viagens, a moda, as coisas que se assistem, os esportes que se faz, a revista que se lê, conversas sobre as vidas dos outros, tudo é superficial. Dessa família é difícil esperar que os filhos tenham grandeza de objetivos e perseverança.

Isso não quer dizer que os membros da família devam ser como freis cartuxos. Claro que não. Nas casas de vocês nunca deve faltar a alegria cristã, e não se deve negar aos filhos o descanso honesto. O que condenamos aqui é a vida inútil, passada entre vaidades, quando há muitas coisas fundamentais e necessárias a fazer: a ordem da casa, que sempre precisa ser mantida, aumentar os bens da casa de acordo com o que se vê que ajuda na vida católica, a vida de oração e de ajuda aos pobres, e outras distrações honestas que ajudam a afastar o tédio da rotina. O tédio nunca é afastado com superficialidades, porque nossa inteligência foi feita para o imaterial e a verdade. Jogos no celular e vaidades não afastam o tédio.

3. A hesitação da autoridade dos pais. — Uma das marcas próprias de nossa época é a crise da autoridade em todas as esferas, na Igreja e na família. Sob pretexto de dignidade humana, de liberdade de consciência, de que a pessoa não tem malícia e que é só uma fase que passará, não se retificam os erros. Isso acontece quando um dos pais se opõe ao outro quanto à correção do filho, por exemplo. Também quando o pai determinou algo severo que contraria a vontade da mãe ou de uma filha ou mais: não se irá a tal festa ou espetáculo, não se fará esta viagem, tal compra ultrapassa as capacidades financeiras do momento. Uns se associam aos outros para resistir ao pai, que ouve deboches, comentários ácidos, vê rostos azedos, caprichos, etc, tudo para que ceda. Outras vezes é o pai que desautoriza a mãe, quando usou de sua autoridade materna com uma medida justa e que deveria ter sido confirmada pelo pai. Outras vezes são os pais em conjunto que são fracos: as moças ou os rapazes têm muita sede de casar, precisam buscar um partido, é preciso abrir as portas da casa ou toleram familiaridades. Saem de noite e voltam até mesmo bem depois de um horário extremamente limite, o que não vai sem problemas. E, aqui, dizer que “os tempo são outros” é buscar justificar sem habilidade o que não deveria ser feito, simplesmente. Essa justificativa não é boa e faz passar muitos pecados. Que “os tempos sejam outros” para pagãos, isso não deve fazer que “sejam outros” também para cristãos.

4. A falta de religiosidade e de piedade no lar. — Este é o pior inimigo da família. Insisto muitas vezes nos princípios naturais da família e da sociedade porque são o fundamento de tudo, e são coisas que foram praticamente apagadas das almas. Ao mesmo tempo, não quero cair em um naturalismo que esquece ou exclui o sobrenatural. Mas, voltando os olhos para a família sob um aspecto natural, é necessário se dar conta que a família natural tem Deus por autor. Não se pode colocar Deus para fora de casa sem destruir a família no seu fundamento.

Os bens materiais de uma família sem Deus só a tornam mais invejosa, impura, seus membros são egoístas, sem qualquer espírito de sacrifício. Cada um leva sua vida, tem seus projetos, seus ideais, e a casa se torna praticamente um hotel; muito pouco, ou nada, é feito para o bem comum da família. Se a família for pobre e sem Deus ficará muitas vezes desesperada, sem confiança na Providência, que não falta a ninguém que pede o que é realmente necessário ao bem das almas, e será marxista. As famílias sem Deus evitam filhos, os cônjuges são infiéis, os filhos são extremamente mal educados, as famílias se dividem, a sociedade se corrompe, as almas se perdem.

Infelizmente temos muito pouca consideração sobre o quanto a vida futura é algo sério, de quanto o demônio é tenaz em perder nossas famílias e nossas almas. Um exorcista italiano, o padre Sante Babolin, disse recentemente que durante um exorcismo, o demônio que atormentava a esposa de um de seus amigos disse-lhe: “Não posso suportar que eles se amem”. A nossa falta de oração e de consideração sobre o que é o sobrenatural nos faz andar às escuras, correndo grande risco de fazermos freqüentemente o jogo do demônio. Quando um casal se une em matrimônio com toda a sua mente e coração, o demônio entrará em ação para tentar estragar o lar, porque o lar é um berço de graça, onde a graça é recebida não somente para o casal, mas para os filhos e para aqueles que conhecem a família.

A oração da manhã e da noite, antes e depois de comer, o terço, um tempo deixado ao recolhimento e à leitura piedosa, incentivar os filhos a ir na igreja rezar diante do Santíssimo, formá-los para que ofereçam a Deus e Nossa Senhora suas penas e projetos, tudo isso deve fazer parte do dia de uma família. Essas coisas não são coisas de beatas. Faz parte da primeira finalidade do casamento, que é a educação dos filhos para o culto a Deus, diz São Tomás: “O principal bem do matrimônio é a prole a ser educada para o culto de Deus” (Suma Teológica III, q. 59, a. 1).

Deus abençoa os esforços que vocês fazem para Lhe dar uma família católica. Esta semana começa a Quaresma. Que os pais vejam o que precisa ser mudado. Que os filhos com idade de agir com maior autonomia vejam que fazem parte de uma vida familiar comum, que depende deles para o melhor e para o pior, e que suas atividades irão estruturar ou enfraquecer a própria família de onde vêm. Peçamos a Deus o senso de responsabilidade com nossas famílias e os auxílios para ajudá-las, e Deus as abençoará.

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.

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