Sermão da Festa dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo

Vós permanecestes fiéis a Cristo; vós suportastes ser, por sua causa, o objeto do ódio de todos. Desprezados e rejeitados pelo mundo, sentais agora escolhidos como juízes de todas as nações“.

(Hino Salve turba duodena, em honra dos Apóstolos e Evangelistas)

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria.

A festa de hoje possui uma importância especial para todos nós, Católicos Romanos. Hoje festejamos os Santos Apóstolos Pedro e Paulo, que no mesmo ano, e no mesmo dia, quando o imperador Nero governava o Império, padeceram em Roma por amor de Cristo.

A importância desses dois Apóstolos só pode ser estimada corretamente se compreendermos o que Nosso Senhor fez com eles e por meio deles.

Cristo, quando ainda vivia, instituiu um Colégio de doze Apóstolos. Esse Colégio Apostólico não foi um colégio de doze iguais. Nesse Colégio existiu alguém que foi posto por Cristo pessoalmente como chefe desse Colégio e de toda a Igreja.

Nosso Senhor prometeu e deu imediatamente e diretamente a São Pedro o primado de verdadeira jurisdição sobre toda a Igreja. Diretamente, porque foi dada a Pedro enquanto pessoa singular, pública e distinta dos outros apóstolos e fiéis. O primado pertence a Pedro imediatamente, e não por meio da Igreja que faz dele um mero mandatário. A Igreja não é igualitária, mas hierárquica; ela não é democrática, mas monárquica. É para o bem da Igreja que Pedro recebeu o primado de governo e recusar o governo de Pedro é desejar o mal de toda a Igreja.

Foi ao Príncipe dos Apóstolos que Nosso Senhor confiou as chaves do Reino dos Céus, depois de ter mudado seu nome de Simão para Pedro, isto é, rocha. A entrega das chaves é um privilégio único e especial, que confere um poder absoluto. Na Sagrada Escritura elas simbolizam a dignidade messiânica de Cristo e seu poder de reger. É o que lemos no profeta Isaías: “Colocarei a chave da casa de Daví sobre seu ombro; ele abrirá e ninguém fechará; ele fechará e ninguém abrirá” (Isaías 22, 22). Esta mesma expressão será usada por São João no Apocalípse: “Isto diz o Santo e o Verdadeiro, que tem a chave de Daví, que abre e ninguém fecha; que fecha e ninguém abre” (Apoc. 3, 7). A chave de Daví significa de modo evidente o poder real supremo que Cristo tem no reino messiânico.

O texto é claro como água. Cristo tem as chaves do governo da Igreja e Ele as confiou a Pedro e a seus sucessores. Não foi ao patriarca de Constantinopla que Nosso Senhor deu as chaves; nem ao patriarca de Moscou; nem à rainha da Inglaterra; muito menos a um pastor protestante que se vê obrigado a fechar, depois de três meses — e com outras chaves –, a garagem que alugou porque deve água e luz; ainda menos a todos os fiéis.

Esta é a fé católica, ensinada pela Tradição desde o começo da Igreja e encontrada em abundância nos escritos dos Santos Padres. “A Igreja foi edificada sobre Pedro, (…) entre os doze um só foi escolhido para que, constituído como cabeça, fosse tirada a ocasião de cisma” (S. Jerônimo, Contra Joviniano, l. 26). No seu comentário ao Evangelho de São Lucas (l. 10, nn. 175-176), Santo Ambrósio mostra São Pedro como fundamento da Igreja, pastor universal, vigário visível de Cristo na terra. Para que não se diga que estas afirmações são todas vindas dos Padres latinos, mas não dos gregos, lembremos aqui somente de São Basílio, que diz que “São Pedro recebeu em si os fundamentos de toda a Igreja” (Contra Eunômio, 2, 4); e de São Gregório de Nissa, no seu Louvor a Santo Estevão: “Seja celebrada a memória de Pedro, que é cabeça dos Apóstolos (…); a Igreja de Deus é solidificada nele; ele é, conforme o privilégio que recebeu do Senhor, aquela pedra firme e solidíssima sobre a qual o Salvador fundou a Igreja“.

Indo para Roma, juntamente com São Paulo, ele lançou na Cidade Eterna a semente da doutrina católica e lá ela rendeu cem vezes mais. O Papa São Leão Magno, vivendo no século V, escreve: “Roma, estes são os homens pelos quais o Evangelho de Cristo brilhou em ti; e tu, que eras mestra do erro, te tornaste discípula da verdade” (Sermão 1 na Festa de São Pedro e São Paulo). Santo Ireneu de Lião, nas Gálias do século II, louvará estes dois Apóstolos em termos que não deixam a primazia de Roma em dúvida: “Como seria muito longo (…) enumerar as sucessões de todas as igrejas, nós escolhemos somente uma, a Igreja grandíssima, antiquíssima e conhecida de todos, que os dois apóstolos Pedro e Paulo fundaram e estabeleceram em Roma (…); com esta Igreja [de Roma], em razão de sua origem mais excelente, todas as outras igrejas devem estar de acordo, isto é, todos os fiéis de todos os lugares; para o bem de todos os povos, a Tradição que vem dos Apóstolos sempre foi conservada nela” (Contra as heresias, l. III, n. 15). Sua escolha de preferir Roma a todas as outras dioceses, e de tratá-la com tantas honras, não pode ser um simples capricho.

Ali, em Roma, eles viveram e formaram a diocese que governa todas as outras. Ali estão as duas cadeiras que eram de São Pedro, uma das quais está na Basílica do Vaticano; as duas casas nas quais São Paulo viveu, numa das quais ele ficou detido em prisão domiciliar e onde escreveu as epístolas chamadas “do cativeiro”; o cajado de São Paulo; a prisão na qual São Pedro ficou com São Paulo e as correntes que os prenderam; o lugar onde eles se cruzaram e se despediram quando iam ser mortos em lugares diferentes e o lugar onde São Pedro foi crucificado; a prisão na qual São Paulo ficou imediatamente antes de ser morto, o caminho que ele percorreu até o lugar em que morreria, a coluna sobre a qual São Paulo colocou a cabeça para ser decapitado, as três fontes que brotaram milagrosamente da terra quando sua cabeça caiu; os túmulos de ambos, o ossos de ambos, os lugares onde suas relíquias eram escondidas quando Roma era ameaçada por invasores e as incontáveis inscrições feitas por peregrinos, dos primeiros séculos da era cristã, sobre os muros desses lugares, nas quais lemos sem cessar os nomes dos dois Apóstolos, atestando a venerável presença de suas relíquias; as basílicas construídas para honrá-los e que nos dão uma idéia, pelo tamanho e pela riqueza que têm, de quão grande é a glória que conquistaram no Céu.

Os primeiros frutos dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, acusados caluniosamente por Nero para afastar de si as suspeitas do incêndio de Roma, sofreram as mortes mais cruéis. Alguns foram rasgados pelas feras e dados aos cães, outros foram crucificados e outros foram queimados de noite, para iluminar a cidade. Primeiros frutos da semeadura dos Apóstolos, ele foram colhidos por Deus para preparar as honras que ambos deveriam receber no Paraíso Celeste pouco tempo depois.

Eles escolheram ir para Roma, voltaram com frutos, tendo dado a paz de Cristo ao mundo. Semearam com grandes dores, colheram abundantes frutos com alegrias eternas ainda maiores.

Agora, elevados à sociedade do Céu e coroados de honra, eles nos ouvem com benevolência para que possamos caminhar retamente e, vitoriosos, alcançar o prêmio eterno.

É a eles que nós nos confiamos hoje, juntamente com toda a Igreja, pedindo que nos ajudem nas tribulações pelas quais ela passa atualmente, vindas de dentro e de fora. Que, pela intercessão de ambos, a verdade que vem de Roma possa brilhar sem sombras no mundo inteiro.

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.

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