Sermão do VI Domingo depois de PentecostesO pecado da murmuração – Parte II

Assim também vós considerai-vos certamente mortos para o pecado, mas vivos para Deus em Cristo Jesus nosso Senhor.

(Romanos 6, 11)

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.

 Ave Maria…

Terminaremos hoje o que iniciamos no último domingo, sobre a detração ou murmuração: a lesão injusta à fama do próximo, quando ele está ausente, com algumas últimas colocações que nos parecem mais capazes de dar bons frutos.

  1. É bom termos algumas referências sobre falar de pecados que são públicos. Uma pessoa pode ter um pecado público de três modos: a) Porque foi declarado por um juiz com uma sentença num tribunal, ou porque a própria pessoa confessou que fez aquilo; b) Porque a pessoa fez algo diante de tantas pessoas que não é mais possível esconder; c) Quando a fama da coisa feita já se espalhou para muitas pessoas, uma grande parte da comunidade em que se vive. Pois bem, não há qualquer problema em falar do pecado de alguém, quando esse pecado já é público, por qualquer um desses três modos que acabamos de indicar. Se a coisa já é conhecida, não se pode dizer que exista novo prejuízo para a pessoa que cometeu o mal. Mas seria injusto reavivar a memória de um pecado que já foi esquecido pelas pessoas, ou se a pessoa já teve sua fama recuperada.
  2. A gravidade da detração se mede pela importância do pecado revelado (ou falsamente imputado) e pelo dano causado ao próximo. Em geral, revelar uma falta leve será pecado venial; e revelar um pecado grave será falta grave. De fato, ao falar mal do próximo, a mesma coisa dita nem sempre causa o mesmo dano. É preciso levar em conta a qualidade da pessoa criticada, o prestígio que ela tem diante dos outros, a pessoa que está fazendo a crítica, o número de pessoas que estão ouvindo, que tipo de pessoas elas são, o fundamento da crítica (testemunho presencial ou de “ouvir dizer”), a repercussão que pode ter sobre a família da pessoa, o prejuízo material, etc. Se, levando em conta todas essas coisas, o dano permanece leve, em geral será pecado leve; se o dano for grave, será pecado grave. Mas atenção: a pessoa de quem se fala mal pode ter sido prejudicada somente de modo leve, mas se a pessoa que fala mal é movida pelo ódio ou qualquer outro motivo gravemente desordenado, ela peca gravemente, por causa da intenção.
  3. Que motivo justifica revelar um pecado cometido por alguém, e que não é conhecido ainda? A regra geral, de acordo com Santo Tomás, é: por causa de um bem necessário, observadas as devidas circunstâncias (II-II, q. 73, a. 2). Assim, por exemplo:  a) Os fiéis devem revelar aos superiores eclesiásticos os problemas dos seminaristas, para evitar futuros problemas e escândalos à Igreja; b) Quando é necessário para o bem comum. Assim, por exemplo: é permitido revelar os defeitos verdadeiros de um candidato corrupto que concorre às eleições (mesmo publicamente e nos jornais); deve-se denunciar um aluno que corrompe os outros num colégio; e os que ensinam erros e doutrinas contrárias à fé e à moral católicas; c) Pelo bem de quem age mal, e assim os pais e superiores devem ficar sabendo do que fizeram os filhos e empregados, para corrigi-los; d) O bem de quem conta, para buscar conselho, defesa ou consolo, como já falamos da vez passada. Mas é necessário agir sem ódio, nem vingança, e só se deve manifestar o que é estritamente necessário, calando se possível o nome de quem fez o mal; e) Para o bem de um terceiro, colocando-o em guarda contra as más intenções de quem busca prejudicá-la ou corrompê-la. Seria o caso de um amigo ou amiga que dissesse os vícios autênticos da pessoa com quem se pretende casar, para evitar um futuro casamento infeliz.
  4. É importante saber qual é a responsabilidade de quem ouve as detrações. Quem as ouve, peca (leve ou gravemente, depende): induzindo diretamente o outro que fala, com perguntas, mostrando agrado no que ouve, aprovando, estimulando a falar; alegrando-se internamente com o que ouve, ainda que não transpareça isso; ou não impedindo a conversa. Mas com relação a não impedir, é importante saber que se não impedimos a detração por respeito humano ou por vergonha, que é pecado venial. Inclusive, não haverá pecado algum quando se vê que uma intervenção em favor do difamado acabaria sendo inútil ou contraproducente. Na prática, a melhor coisa é desviar discretamente a conversa com novos temas, quando se vê que começa a ir por caminhos tortos. Com isso, protegemos a fama do próximo e não somos rudes e indiscretos com quem está falando.
  1. Finalmente, para reparar a fama de quem foi lesado, o melhor modo é elogiando a pessoa, colocando em destaque suas boas qualidades, desculpando-a pela atribuição de uma boa intenção, etc. Às vezes, o melhor será reconhecer que erramos ao falar mal de outro.

Se fizemos uma calúnia, falando mentiras, então é necessário retirá-la, ainda que essa confissão me prejudique pessoalmente. Porém, há um modo de corrigir a calúnia, falando a verdade de um modo discreto, por exemplo: “Soube que aquilo que eu disse era completamente falso, e fico consolado em dizer isso para colocar as coisas no seu lugar, etc“.

Um último conselho, que evita muitos problemas. Se for necessário relatar algo, procurar evitar transmiti-los dando interpretações possíveis que depois se tornam possíveis intenções de pessoas e que acabam chegando ao final como sendo fatos ocorridos e que, de fato, nunca ocorreram ou palavras que nunca foram realmente ditas. Como diz São João da Cruz: “fale pouco, e não se intrometa onde não foi chamado” (número 308 da edição de Segóvia, das obras do santo).

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.

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