Sermão da Solenidade de Todos os Santos

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

Hoje a Igreja soleniza a Festa de Todos os Santos, e a salvação de todos eles começou quando se converteram. Alguns eram piedosos desde a infância, e a conversão deles foi mais uma passagem excepcionalmente tranquila pelo Cabo das Tormentas do que um grande terremoto. Mas maioria dos que se salvaram, antes de se converterem, viveram mal. Ou cometeram um e outro pecado grave, aqui ou lá; ou fizeram abominações continuamente e por décadas. A Igreja já viu e continuará a ver todo tipo de pecador bater à sua porta procurando colocar fim aos seus pecados, numerosos ou não. Mas é verdade que a maioria das pessoas se converte depois de uma vida mais ou menos pecadora.

Porém, ainda que tenham passados diferentes, passado piedoso ou não, mais ou menos pecador, todos, ao se converterem, começam sua viagem para o Céu passando primeiro pela região dos principiantes. É uma região tão maravilhosa na vida católica que só nos damos conta da beleza dela quando chegamos à fronteira que faz com a segunda região da vida católica, que é uma vasta extensão de deserto, cheio de tentações, lutas e cansaços, com anjos bons e demônios voando por todos os lados. Temos realmente a impressão de ver Jesus com sua cruz às costas em cada esquina. E essa região é dez ou vinte vezes mais extensa do que a primeira. Ela acaba na última região da vida católica antes de morrermos, que tem montanhas arborizadas e sombras que essas montanhas fazem, da alta espiritualidade, das corajosas crucifixões próprias, das alturas do desapego humano, onde a atmosfera é rarefeita e só as pessoas de coragem têm garra para subir.

Agora, todo mundo procura saber se está progredindo nessa caminhada e, muitas vezes, tomam como sinal de progresso coisas que, em si, não provam nada. Assim, caem em ilusões que as levam a desvios cansativos, porque terão que voltar para o caminho do qual não deveriam ter saído se quisessem caminhar com resultado. E muitas dessas ilusões podem ser conhecidas pelas seguintes perguntas:

1. Sonhei com um estado ideal, sem tentações neste mundo, sendo que de fato elas certamente virão?

2. Considero anormal ter tentações?

3. Distingo bem entre tentação (por mais forte que seja) e pecados voluntários?

4. Confundo a vivacidade das imagens que se apresentam na minha imaginação, ou a inclinação do instinto, com atos voluntários?

5. Reduzo o problema de ter tentações ao sexto mandamento, absorvido em exames, dúvidas, escrúpulos, análises, consultas eternas sobre as questões de castidade (correndo o grande risco de que essas tentações voltem a atacar)?

Ao passar pelo grande deserto do longo esforço pessoal, duas tentações opostas assaltam os viajantes, dependendo das disposições de gênio e do caráter da pessoa: o desânimo ou a presunção. E nossa maior preocupação nesse período da viagem é tomar providências de cautela contra ambos. Mas hoje gostaria de me centrar no desânimo.

As pessoas que param de caminhar até o Céu por desânimo formam simplesmente uma legião. Não dá para contar. O desânimo é a tendência para desistirmos de toda tentativa na vida devota, tanto pelas dificuldades que a cercam como pelas nossas já numerosas falhas em praticá-las. Nos falta coragem e, em parte por mau humor, em parte por desconfiar de nossa habilidade em perseverar, primeiro nos queixamos de Deus e nos aborrecemos com Ele, para depois relaxarmos nos esforços de mortificação, de oração, de simplesmente fazermos o que havíamos proposto como católico.

É semelhante ao pecado de desespero, ainda que na realidade não seja pecado algum (pecados serão os atos contrários à lei de Deus que o desânimo nos incentiva a fazer). É uma espécie de sombra de desespero, que nos induz a cometer uma série de pecados veniais desde o momento em que lhe damos ouvidos. Prova de que contávamos demais com nossa própria força e tínhamos, de nós mesmos, uma opinião muito alta e sem fundamento. Se fôssemos humildades de verdade, não teríamos nos espantado de cair, e ficaríamos espantados por não termos feito pior. Muitas pessoas falham unicamente pelo mal imenso que lhes causa o desânimo.

A pessoa começa a se dar conta de defeitos que não via antes; ou começa a ver a real gravidade de coisas que antes ela não considerava tão pesadas; ou a piedade nova que começa é exagerada e sem critério, porque só a experiência e o tempo podem lhe dar bom senso, e acaba sendo repreendida pelos outros pelo modo como faz as coisas, e fica irritada com isso; ou exagera as próprias faltas; ou adquire novos defeitos ao vencer outros; ou acredita que está em lugar alto na vida espiritual, simplesmente porque teve algumas aspirações piedosas. Ou tudo isso ao mesmo tempo. Engana-se redondamente. Ela cairá de novo. Deus queira que se levante.

O resultado desse desânimo é tornar-nos tristes e sem energia, e nada nos poderia ter acontecido de pior, porque impossibilita qualquer heroísmo (mesmo o de um pai e mãe de família nas suas atividades mais comuns). A alegria da vitória é de uma grande força moral, e a vitória depende muito da firmeza dos atos. O desânimo é um veneno. A tristeza, sobretudo no começo da jornada, nos é fatal. Por isso a importância de expulsar o desânimo:

1. O fato de cairmos com mais frequência não pode ser causa de desânimo. Talvez agora vejamos melhor a frequência das quedas, ou Deus as permite para crescermos em humildade (e não em desânimo! …), ocultando outros progressos que estamos fazendo, ou o demônio nos ataca mais. Não temos bastante conhecimento próprio para avaliarmos se estamos progredindo ou não. Isso só pode ser visto depois de muito tempo, não no começo das lutas.

2. Tendemos a cair em desânimo quando não temos uma devoção sensível, perceptível. Isso também não é fundamento justificável. Uma hora de oração sob o céu azul e o ar puro de é mais agradável do que meia hora de meditação sob a garoa de São Paulo… Deus também dá esses agrados geralmente para quem começa, para atraí-los. Quem não os tem não deve imaginar que retrocede. Além disso, pode ser, é verdade, uma punição de Deus. Mas não há nada de desanimador em ser punido por Deus. Quando Ele nos pune não nos esquece e nos prepara novas graças se somos humildes e voltamos atrás. Se nos esquecesse, então, sim, seria terrível.

3. É uma perda de tempo ficar observando se fazer meditação vai ficando mais fácil. A meditação é algo que normalmente, em si, é tão cheia de dificuldades, que é inútil ficar desanimado ao vê-las. Há métodos de oração, e uma pessoa é capaz de se habituar a orar sem melhorar em nada, porque não adquiriu o dom da oração, nem vive recolhida e mortificada interiormente.

4. Se for o caso de, realmente, termos mais tentações e mais fortes, o desânimo é algo mais irracional do que a presunção. A própria violência das tentações revela o tamanho da cólera do demônio, que tem bom senso demais para ficar nervoso sem motivo. Se as tentações continuam e são fortes, é porque não cedemos. Como Jacó lutou com o anjo até o sol nascer, também nós devemos lutar sem desânimo até a noite das tentações passar.

5. Se os sacramentos não nos dão consolações perceptíveis, isso não é sinal de decadência. Eles continuam nos dando a graça. As consolações virão se Deus quiser.

Nenhum de nós nasce pronto e formado. Precisamos parar de pecar, lógico. Mas o desânimo faz mais estragos do que o pecado. Perdemos nosso tempo e, pior, nossa alma, dando ouvidos ao desânimo. Como diz São Francisco de Sales, “Não devemos nos espantar que nós, que somos terra, produzamos ervas daninhas continuamente. A santidade consiste em recomeçar sempre”.

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.

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