Matrimônio: o sacramento da união do Verbo de Deus com a natureza humana e de Cristo com a Igreja
Nós veremos que o sacramento do matrimônio, pelas graças que ele dá aos esposos, é de uma importância enorme na resolução de seus problemas, tanto os da vida conjugal quanto os da família.
Nosso Senhor Jesus Cristo elevou o matrimônio dos cristãos à dignidade de sacramento; fala-se em sacramento do matrimônio. Convêm que vocês saibam o que esta decisão de Nosso Senhor implica, o que ela realiza nesta instituição fundamental da família e, para isso, começaremos por lembrar algumas verdades fundamentais.
Peço que me desculpem; darei uma impressão de ser pedante ao lembrar coisas tão simples. Mas creio que isso é indispensável. Muito facilmente os pregadores e conferencistas pressupõem como conhecidas as verdades fundamentais e negligenciam a explicação delas. Eles expõem coisas mais eruditas, verdades superiores; e o fato de que as verdades de base, verdades elementares, quase nunca são expostas, implica em que os cristãos frequentemente se encontram em um estado de grande ignorância a respeito delas. Quando compreenderemos, assim, que mesmo para a religião, para a doutrina cristã, o ensinamento superior das coisas da fé exige o conhecimento prévio das verdades elementares e, consequentemente, de sua pregação?
Assim, começamos lembrando estas verdades.
O que é um sacramento?
Um sacramento é um sinal sensível, instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo, que significa uma graça e que a produz. É a definição que aprendi uma vez no catecismo, antes de estudá-la em teologia.
Um sinal sensível, ou seja, alguma coisa que é percebida pelos sentidos, algo que se vê, que se ouve, etc., e que lembra algo que não é perceptível pelos sentidos, algo que não se vê, que não se ouve.
Instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo: é evidente que somente o Filho de Deus, onipotente como seu Pai, pode conceder a um sinal sensível, a um gesto humano, produzir um efeito sobrenatural: a graça divina. Um sinal que significa uma graça, que a lembra, que a sugere, que a representa e que a produz, ou seja, que a gera, que a dá, que a faz vir.
Assim, no batismo, o que acontece? Qual é o sinal percebido pelos sentidos? Vê-se uma ablução, água que escorre e que lava; escuta-se uma fórmula que indica uma intenção de lavar, de purificar, de batizar. Este sinal de purificação lembra, sugere a purificação da alma manchada pelo pecado original e produz esta purificação pela infusão da graça santificante. Não é o padre batizando que purificou e santificou o catecúmeno, é o sacramento mesmo, o sinal sensível instituído por Cristo para isso, que o fez, que deu a purificação, a graça.
E é bom que seja assim, que a graça seja produzida pelo sacramento e não pelo ministro. Qualquer que seja a dignidade ou indignidade do ministro, pelo único fato de que o sacramento é feito, como Cristo o instituiu, ele produz o seu efeito sobrenatural, pois é Cristo mesmo, Deus-Homem onipotente, que age por este sinal.
O matrimônio cristão é um sacramento, ou seja, um sinal sensível que sugere alguma coisa que não é percebido pelos sentidos e que produz esta coisa.
Qual é o sinal sensível no matrimônio? É o matrimônio mesmo.
Nosso Senhor poderia ter instituído um rito que teria se acrescentado ao matrimônio, ou seja, ao contrato que fazem os esposos que se comprometem a se tomar como marido e mulher, e que teria sido o sinal deste sacramento. Ele poderia ter, por exemplo, unido este poder de produzir a graça à benção nupcial que é dada pelo sacerdote.
Ele poderia ter feito assim. Ele não o fez. Ele preferiu, simplesmente, elevar o matrimônio mesmo à dignidade de sacramento, ou seja, de sinal produtor da graça. Assim, examinemos mais em detalhes o sinal e a coisa significada por ele.
O matrimônio, em si mesmo, não é outra coisa além de um contrato feito entre um homem e uma mulher livres, que se aceitam mutuamente como esposos, ou seja, que se dão mutuamente direito sobre seus corpos para os atos aptos à procriação. Quando o padre, que é somente a testemunha autorizada pela Igreja para pedir e receber os consentimentos, põe a questão: “Senhor X…, queres tomar a senhorita Y…, aqui presente, por tua mulher e legítima esposa, conforme o rito de nossa Santa Madre Igreja?”, essa fórmula ou outra semelhante, o homem responde: “Sim, eu quero”. O padre se dirige agora à noiva: “Senhorita Y…, queres tomar o senhor X…, aqui presente, como teu marido e legítimo esposo, conforme o rito de nossa Santa Madre Igreja?”, a mulher responde igualmente “Sim, eu quero”. Por estes dois “sim”, esta mulher e este homem fazem contrato, eles se dão mutuamente direito sobre seus corpos para os atos aptos à procriação; de tal modo que, conforme diz São Paulo: “A mulher não tem a disposição de seu próprio corpo: ele pertence ao seu marido. Do mesmo modo, o marido não tem a disposição de seu próprio corpo: ele pertence à sua mulher” (1 Cor. VII, 4).
Eis aí o que é contrair matrimônio: é firmar este contrato de um gênero especial, pelo qual um homem e uma mulher livres se tornem esposos, ou seja, se dão mutuamente o direito sobre seus corpos para os atos aptos à procriação.
Pois muito bem, é este contrato que Nosso Senhor elevou à dignidade de sinal produtor da graça.
Neste contrato matrimonial, o que é visto, ou seja, qual é o sinal e qual é a coisa significada?
a) O sinal sensível é esta dupla vontade dos contraentes expressa pelo livre consentimento deles de se dar mutuamente este direito que os unirá até o ponto de constituírem uma só carne, uma só coisa, e a expressão, familiar aos esposos, de “metade”, para designar o seu cônjuge, ilustra perfeitamente esta verdade; a esposa é bem “a metade” de seu marido, que é também “a metade” de sua mulher. “A mulher não vá sem o marido, nem o marido sem a mulher”, escreve São Paulo. São necessários os dois para que haja uma família de amor.
No casamento, assim, aparece claramente expressa a vontade de união dos dois esposos. Esta vontade de união é o sinal do sacramento de matrimônio.
b) A coisa significada. Essa vontade de união dos dois esposos significa, relembra, sugere uma vontade de união muito mais poderosa, um casamento muito mais íntimo, onde os dois cônjuges estão unidos em uma unidade maior: as bodas do Verbo com a natureza humana e as bodas de Cristo com sua Igreja.
Entre o Verbo de Deus, segunda Pessoa da Santíssima Trindade, e a natureza humana que Ele tomou no ventre da Virgem Maria, existe uma união única hipostática, que termina em Cristo, Deus-homem possuindo duas naturezas em uma só Pessoa. União de tal modo íntima, de tal modo única que, quaisquer que tenham sido as atividades de Jesus, atividades especificamente humanas como beber, comer, dormir, chorar, falar, ou atividades especificamente divinas como ressuscitar os mortos, fazer milagres, perdoar os pecados, elas procediam todas da única Pessoa do verbo que possui as duas naturezas no único Cristo Jesus.
A Igreja é o prolongamento do mistério da Encarnação. A Igreja é o Corpo místico de Cristo. Como diz muito bem uma expressão conhecida pelos teólogos, “a Igreja é Jesus Cristo continuado na história do mundo”. Entre Cristo, cabeça da Igreja e nós, os batizados, membros de seu Corpo místico, de sua Igreja, existe uma união misteriosa, mas real. Essa união é de tal modo íntima, de tal modo verdadeira, de tal modo profunda, que Jesus pode dizer com toda verdade: “Tudo o que vós fizerdes a qualquer um dentre os meus, é a mim que o fizestes”. Quando Saulo persegue os Cristãos, Jesus, que lhe aparece no caminho de Damasco, não lhe responde: “Eu sou Jesus e tu persegues os meus Cristãos”, mas “Eu sou Jesus que tu persegues”. Pois, uma vez que Ele é a cabeça e nós os membros, tudo o que é feito a qualquer um dos seus membros, ao menor, ao último, é a Ele que é feito. Saulo persegue os cristãos? Jesus lhe responde: “Eu sou Jesus que tu persegues”. Desde a Encarnação do Verbo, e por ela, uma união indescritível foi realizada entre Cristo e a Igreja que é o seu Corpo; nós, os batizados, nos tornamos “uma raça eleita, um sacerdócio real, uma nação santa, um povo que Deus adquiriu para si” (1 Pedro 2, 9) e dos quais Ele fez o Corpo misterioso de seu Filho.
Pois bem, é essa união da natureza humana e da natureza divina nesse ser único, Jesus Cristo; é também essa união misteriosa, mas real de Cristo, Filho de Deus e Filho de Maria, com a Igreja que é o seu Corpo místico, nessa coisa única, o Cristo total, que o casamento cristão significa, relembra e sugere.
“O homem deixará seu pai e sua mãe para se unir a sua mulher e para que os dois constituam uma só carne. Esse mistério é grande; eu falo de Cristo e da Igreja” (Efésios 5, 31-32).
Eis, portanto, o sacramento do matrimônio: essa vontade de união até fazer dos dois esposos uma só carne, sugere uma vontade de união ainda maior, aquela de Deus com os homens por meio de Cristo.
Essa graça de união mais íntima, não é somente significada, lembrada, sugerida pelo matrimônio Cristão; ele também a confere, ele a dá, ele a produz na alma dos esposos.
Em que consiste exatamente essa graça que o sacramento do matrimônio produz? Antes de explicar para vocês, deixem-me lembrar outras noções elementares.
Jesus Cristo instituiu sete sacramentos. Cinco dentre eles estão ordenados ao bem dos indivíduos: o batismo, a confirmação, a eucaristia, a penitência e a extrema-unção; dois sacramentos, o da ordem e o do matrimônio foram instituídos para o bem comum da sociedade sobrenatural instituída por Jesus Cristo, que é a Igreja. A ordem faz os padres, e os padres não são padres para eles, mas para os fiéis. O matrimônio faz de vocês marido e mulher, e vocês se tornaram marido e mulher para que, por vocês, o Corpo místico de Cristo cresça. A cidade dos homens e a cidade de Deus dependem dos pais e das mães de família. Sem filhos: sem pátria, sem nação, sem humanidade. Sem filhos: sem povo de Deus, sem Igreja, sem eleitos.
Outra classificação dos sacramentos. Há sacramentos que são chamados sacramentos dos vivos e há sacramentos que recebem o nome de sacramentos dos mortos.
São quatro os sacramentos dos vivos porque eles só podem ser administrados àqueles que têm a vida divina; eles são: a confirmação, a eucaristia, a ordem e o matrimônio. Sendo eles sacramentos dos vivos, eles foram instituídos para os vivos, para aqueles que estão em estado de graça, que têm a vida divina na alma. Os mortos à vida divina, aqueles que estão em estado de pecado grave, de pecado mortal, não podem receber os sacramentos reservados aos vivos e se, se dando conta do estado de morte sobrenatural em que estão, eles tivessem a audácia de receber, nesse estado, um sacramento dos vivos, eles o profanariam, cometeriam um sacrilégio. Jesus previu esses pobres mortos espirituais; na intenção deles, para lhes dar a graça, e para lhes dar novamente a graça tantas vezes quantas fossem necessárias, Ele instituiu dois sacramentos, o batismo e a penitência. Estes sacramentos, estando reservados mais especialmente aos mortos espirituais, são chamados de sacramentos dos mortos.
Há um último sacramento que Nosso Senhor instituiu com uma dupla finalidade: o sacramento da extrema unção.
A extrema unção não é o sacramento dos agonizantes. O sacramento dos agonizantes é a eucaristia recebida como viático. A extrema unção é o sacramento dos doentes. E quando se recebe este sacramento para recuperar a saúde, se Deus assim julgar bom, é necessário estar em estado de graça, em estado de vida divina; ele é, então, um sacramento dos vivos.
Entretanto, se o doente, em estado de pecado grave, está inconsciente, pode-se e deve-se lhe dar a extrema unção; e se esse doente tem somente a contrição imperfeita de seus pecados, a extrema unção faz o papel de sacramento dos mortos, ele perdoa os pecados, o ressuscita para a vida divina, e, se Deus assim quiser, lhe devolve a saúde do corpo.
Última precisão. É bem provável, nos explicam os teólogos, que todos os sacramentos dos vivos possam fazer o papel de sacramentos dos mortos, quer dizer, ressuscitar para a vida divina aqueles que, ainda que estejam em estado de pecado mortal, recebem esses sacramentos de boa-fé, julgando que estão em estado de graça, com a condição de que eles tenham pelo menos a contrição imperfeita dos pecados da vida deles. Portanto, se alguém, em estado de pecado mortal, mas não se lembrando de pecado não perdoado, recebesse um sacramento dos vivos (confirmação, eucaristia, ordem ou matrimônio) contanto que ele tenha a contrição pelo menos imperfeita de seus pecados, esse sacramento lhe devolveria provavelmente a vida divina.
Quem é o ministro do matrimônio?
Frequentemente, quando essa questão é feita aos noivos, eles respondem: “É o padre”. Pois bem, não! O matrimônio é o único sacramento onde o sacerdote, ainda que fosse bispo ou papa, não pode administrar. São os próprios noivos que são ministros do sacramento. Com relação a isso eu quero chamar a atenção de vocês para um fato que me parece particularmente importante. Os esposos são, portanto, os ministros do sacramento do matrimônio. Mas, o que é, precisamente, um ministro? Um ministro é um instrumento dotado de responsabilidade; eis o que é um ministro: um instrumento. Quando o instrumento é um objeto inerte como um formão, um serrote, uma picareta, um pincel ou um porta-lápis, ele conserva o seu nome de instrumento. Quando o instrumento utilizado é dotado de liberdade, de responsabilidade, ele recebe o nome de ministro. O ministro é, portanto, um instrumento livre, dotado de responsabilidade. É, portanto, um instrumento que pode recusar ou dar sua cooperação; e sua cooperação só vale quando ela é dada livremente. Eu, padre, sou ministro da reconciliação dos pecadores com Deus. Vocês esposos são ministros do sacramento do casamento de vocês. O Senhor nos utilizou, utilizou o nosso ministério. Utilizou o meu para reconciliar os pecadores com Ele, produzindo neles, pelo meu livre serviço, a graça do perdão. Ele se serviu do ministério de vocês para produzir, na alma do esposo pelo livre serviço de sua mulher e na alma da esposa pelo livre serviço de seu marido, a graça própria do sacramento do matrimônio. Entre as mãos de Deus, eu, padre, ministro do sacramento da penitência, vocês, esposos, ministros do sacramento do matrimônio, nós fomos os instrumentos dos quais Ele se serviu para realizar o sinal sacramental que produziu a graça divina.
Instrumentos dotados de liberdade, Deus se recusa a nos utilizar se nós não o queremos; Ele se recusa a forçar nossa liberdade; é livremente que nós Lhe servimos de instrumento, que nós prestamos a Ele nosso serviço. E é somente esse livre serviço, esse ministério, como se diz, que depende de nós para a produção da graça. Desde quando nós queremos servir de instrumento a Deus e que nós cumprimos os ritos prescritos por Deus ou por sua Igreja, o sacramento é realizado e a graça é produzida.
Por quê? Porque o verdadeiro agente, aquele que age e produz a graça, é Cristo e não o instrumento. Isso é tão verdadeiro que, se um catecúmeno correndo o risco de morrer só tivesse à sua disposição, para ser batizado, um pagão, um infiel, uma vez que esse pagão ou esse infiel aceita livremente batizá-lo, quer dizer, aceita pronunciar exatamente, por exemplo, lendo-a, a fórmula ditada por Cristo: “Eu te batizo em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”, ao mesmo tempo em que ele derrama água sobre a cabeça, o sacramento do batismo seria validamente administrado. O motivo? É muito simples; esse pagão preencheu as condições para ser ministro. Sem dúvida, ele agiu para agradar aquele que pediu para ser batizado. Talvez, até mesmo, o pagão não entendesse nada a respeito do batismo e tenha Cristo como um ser lendário ou impostor; no momento em que ele deu sua cooperação livremente e que, sob as indicações e segundo a intenção do requerente ele realizou os ritos instituídos por Cristo, ele foi um instrumento livre e, por seu ministério, é Cristo ainda que produziu a graça do batismo na alma do catecúmeno.
Nós nunca agradeceremos tanto a Deus por essa disposição, que nos deixa com uma grande tranqüilidade em relação à validade e, consequentemente, a eficácia dos seus sacramentos. Ela, a validade e, consequentemente, o efeito produzido, a graça divina, não dependem da dignidade dos ministros, mas da santidade infinita de Cristo que age por seu ministro.
Entretanto, ainda que sendo somente instrumentos, nós somos ainda assim instrumentos dotados de liberdade e, entre as mãos de Deus, nós não somos como uma serra ou um formão nas mãos de um carpinteiro.
Tudo bem, eu repito, a única coisa que o Senhor exige de nós para nos utilizar e produzir a graça por nosso ministério é a nossa livre cooperação. Pelo único fato de que nós aceitamos livremente dar nossa cooperação a Cristo, quaisquer que sejam nossas relações pessoais com Deus, que nós estejamos em estado de graça, em estado de pecado grave ou mesmo nas trevas do paganismo, Cristo age por nós e produz sua graça por nosso ministério.
Entretanto, quem não compreende que Cristo teria maior agrado de agir pela atividade de um ministro em estado de amizade com ele, mais do que pela atividade de um ministro que, nas suas relações privadas, está em desacordo com o seu Senhor?
Sim, ainda que simples instrumentos, nosso valor pessoal, aquele valor que vem de nossa intimidade com Deus, nossa santidade, para chamá-lo por seu nome, entra de certo modo na produção do efeito que nós cooperamos a produzir.
De que maneira?
Do modo seguinte. Se, como nós dissemos, a graça de um sacramento não é modificada pela santidade ou pelo estado de pecado do ministro que dá o sacramento, ela difere, por outro lado, com as disposições do sujeito que recebe este sacramento. Quanto mais o sujeito fornece excelentes disposições (maior dor das ofensas passadas, desejo mais ardente de receber a graça do sacramento, um amor mais intenso por Deus, uma maior fé em Nosso Senhor, uma maior confiança, etc.), mais ele recebe com abundância a graça do sacramento. E assim compreendemos que, se o sacramento enquanto tal (ex opere operato, como dizem os teólogos: pela própria obra operada, pelo ato mesmo realizado), não produz uma maior graça sendo administrado por um ministro santo do que por um ministro indigno, um ministro santo, um ministro mais unido a Deus, vivendo em uma maior amizade com o seu Senhor, obtém, por sua intimidade com Deus, mais graças para dispor o fiel a receber melhor o sacramento que ele lhe dá. E é aqui que a santidade do ministro intervém. É o que os teólogos designam pela expressão “ex opere operantis”, isto é, pelo efeito que ele produz enquanto ministro, pela obra de quem age, isto é, do ministro.
É evidente que, para agir pelos sacramentos e produzir por eles a graça que lhes é própria, Deus só exige estritamente do ministro o seu livre serviço. Mas se além do seu consentimento livre indispensável, o ministro está entre as mãos de Deus em um estado de submissão mais perfeita, Deus agirá mais amavelmente por ele e, por graças particulares concedidas por causa da santidade do ministro, disporá o sujeito a receber com mais abundância os efeitos do sacramento.
Para melhor compreender essa doutrina, tomemos um exemplo no sacramento da penitência.
O sacerdote é ministro da reconciliação das almas com Deus e a absolvição que ele dá perdoa os pecados cometidos. Que eu vá me confessar ao santo Cura D’Ars ou a um padre em estado de pecado grave, a absolvição que um ou outro me dão é estritamente a mesma e o perdão que decorre dessa absolvição não é mais abundante quando é o santo Cura D’Ars que pronuncia a fórmula, pois sua santidade não acrescenta absolutamente nada à eficácia do sacramento.
Mas a santidade de São João Maria Vianney não é, ao mesmo tempo, indiferente. Com efeito, pelo crédito que ele tinha junto de Deus, ele obtinha para seus penitentes graças extraordinárias de conversão que dispunham os penitentes menos preparados, os mais endurecidos no vício, a sair de seus pecados, a se converter e a receber com grandes frutos essa mesma graça do sacramento de penitência que qualquer confessor, ainda que estivesse em estado de pecado, podia lhes dar.
E é nesse sentido que não é indiferente ter um ministro mais ou menos unido ao Senhor.
Voltemos ao matrimônio. Nele os esposos são, ao mesmo tempo, os ministros e os sujeitos do sacramento. Vocês compreendem sem dificuldade que não pode ser coisa indiferente o fato de eles estarem mais ou menos unidos ao senhor no momento em que eles se casam.
Sem dúvida alguma, aqui, como para todos os outros sacramentos, o que é exigido dos ministros para que Deus aja por eles, é unicamente o consentimento deles e, mesmo se os dois noivos estivessem em estado de pecado mortal não perdoado, pelo único fato de que eles se casam, eles administram validamente o sacramento. Mas não é menos verdade que, neste sacramento bem como nos outros, as disposições do ministro mais ou menos unido ao Senhor têm sua importância. Por sua maior intimidade com Deus, cada noivo obterá mais graças para dispor o outro a receber com maior abundância a graça que ele vai lhe administrar pelo sacramento do qual ele é ministro e, por esse mesmo fato, ele se dispõe excelentemente a receber, por sua vez, com maior abundância, a graça que o outro cônjuge lhe dará, ministro, como ele, do mesmo sacramento.
Mas então, vocês compreendem o quanto é lamentável ver tantos jovens e tantas moças se casarem, quer dizer, se administrarem a graça do sacramento, sem nenhuma preparação? Sobretudo que no casamento, como eu acabo de dizer, aqueles que administram esse sacramento são, ao mesmo tempo, aqueles que recebem esse mesmo sacramento.
E receber o sacramento do matrimônio, que é um sacramento dos vivos, em estado de morte espiritual, é fazer um sacrilégio. E, portanto, se um dos dois contraentes, por um pecado mortal não arrependido, não preenchesse as condições para recebê-lo licitamente, ao administrar esse sacramento dos vivos e ao recebê-lo de outro, ele cometeria um sacrilégio; e se os dois estivessem nesse estado, os dois cometeriam, cada um, um sacrilégio. O casamento deles seria válido, mas os infelizes começariam a vida conjugal pela profanação do sacramento deles.
Evidentemente, para todo pecado há misericórdia, e esses infelizes esposos poderão obter o perdão dessa profanação. Mas, não é menos verdade, entretanto, que eles começaram a vida de casamento por um sacrilégio que avilta, desde o começo, a graça que o Senhor lhes destinava.
Vocês compreendem, desde então, a necessidade que os filhos de vocês têm de se preparar para ser dignos ministros do casamento deles, e para vocês, pais e educadores, a necessidade de ajudá-los a se preparar. Eles não podem ser deixados sem instrução nessas questões, levando uma vida preenchida de banalidades e superficialidades, terminando por entrar na vida de casados sem a preparação e as qualidades necessárias para cuidar de uma família por toda a vida. Os noivos cristãos devem se dar conta da grandeza e da santidade desse ato pelo qual cada um produzirá na alma do outro e receberá do outro a graça de Deus, na qual eles deverão viver durante toda a vida conjugal deles.
Para se preparar para ser ministro dos sacramentos que ele administrará, o candidato ao sacerdócio tem anos de estudo e anos de ascese; durante anos ele estuda os sacramentos que ele administrará e durante anos, por uma ascese feita livremente, ele se preparou para ser, entre as mãos de Deus, um instrumento suficientemente dócil para que por ele passe, com mais facilidade, mais agrado e maior abundância a graça que Deus fará passar por ele.
Seria demais pedir aos noivos cristãos que eles utilizem o noivado deles a uma preparação semelhante? Que eles estudem, portanto, as riquezas deste grande sacramento que eles administrarão, e que, ao invés de se dispor ao pecado, eles aceitem a ascese que lhes é imposta durante o noivado cristão, que os tornará mais agradáveis aos olhos de Deus e que valerá para eles, para cada um deles e para o seu cônjuge, graças que os disporão a receber do melhor modo as graças que Deus, pelo ministério deles, lhes dará no dia em que eles se tornarão marido e mulher.
Voltemos agora à questão deixada para trás e vejamos em que consiste a graça que o sacramento do matrimônio produz na alma dos esposos.
Nesse sacramento, como em todos os outros, duas coisas devem ser consideradas: o sacramento ele mesmo e a graça do sacramento.
Primeiramente, o sacramento, ou seja, a coisa sagrada. Cada vez que os ritos são realizados, tais como Cristo os instituiu, e como a Igreja os determinou em seu nome, o sacramento existe, ele é válido; suposto, bem evidentemente, que se queira administrá-lo e recebê-lo.
Em seguida, a graça ela mesma. Ela é dupla:
I. – Graça de uma maior união a Deus, de uma maior santidade, quer dizer, aumento da graça santificante, da vida divina neles. Todos os sacramentos produzem essa divina graça.
II. – A graça sacramental, própria a cada sacramento e que consiste, no matrimônio, de um lado, a tornar mais sólida a união conjugal que já é, por sua natureza, perpétua e exclusiva; por outro lado, a dar aos esposos, durante toda a vida deles, um direito às graças atuais das quais eles precisarão para cumprir convenientemente e com uma certa facilidade todas as obrigações que decorrem do novo estado em que eles estão.
A.- Fortalecimento da união conjugal. Do mesmo modo que não existe qualquer poder que possa quebrar, em Jesus Cristo, a união do Verbo com a natureza humana, assim também a união sacramental dos esposos cristãos, uma vez consumada, não pode ser dissolvida por nenhum poder, e o Papa ele mesmo que, por seu poder vicarial ou em virtude do privilégio paulino, pode dissolver a união conjugal em certos casos, não o pode quando o matrimônio é sacramento. É a primeira graça do sacramento.
B.- Direito às graças atuais para toda a vida conjugal. Vejam como santo Agostinho explica esse efeito: “Assim como pelo batismo e pela ordem, o homem é chamado e é ajudado, seja para levar uma vida cristã, seja para cumprir o ministério sacerdotal, e que os socorros destes sacramentos nunca lhe faltarão, do mesmo modo, os fiéis que foram unidos uma vez pela união do matrimônio, não podem nunca mais ser privados dos socorros sacramentais e da união sacramental”.
Nós temos aqui uma prova a mais da misericordiosa liberalidade de Nosso Senhor que, conhecendo a fragilidade de nossa natureza humana machucada pelo pecado original e, tendo feito da união conjugal de seus fiéis o sacramento, quer dizer, a imagem de sua união com a Igreja, se engaja, cada vez que seus fiéis recebem esse sacramento, a lhes dar todos os socorros que lhes serão necessários para cumprir convenientemente e com uma certa facilidade as obrigações que decorrem do casamento deles.
Certo, o Senhor não deve nada a ninguém e seus socorros são graças; mas, por que Ele se engajou a lhes dar essas graças, os esposos cristãos podem exigi-las, pedi-las, como algo devido. O Senhor não lhes deve nada, mas Ele se obriga a si mesmo de manter suas promessas. É nesse sentido que São Paulo fala de uma “coroa de justiça” que lhe será dada pelo “justo juiz” por ter “combatido o bom combate, terminado a corrida e guardado a fé” (I Tim. IV, 7-8).
Como as obrigações do matrimônio subsistem até a morte deles, os esposos podem pedir esses socorros em todos os momentos da vida deles. Para melhor compreender a natureza desses socorros, perguntemo-nos:
Quais são as obrigações que decorrem para os esposos do sacramento do matrimônio?
Essas obrigações podem se resumir em uma palavra: o amor. Os esposos devem se amar.
O amor, a caridade, é o condensado de toda a religião católica; ele é também o resumo de todas as obrigações dos esposos cristãos, que estão obrigados a se amar com verdadeiro amor, não somente durante os primeiros tempos do casamento, mas durante toda a vida deles. E é por isso que o Senhor se comprometeu a lhes dar um socorro especial.
Se amar com verdadeiro amor é, portanto, guardar uma fidelidade inviolável; e o Senhor, que conhece a versatilidade do coração humano (o tédio que nasce um dia da uniformidade, diz o poeta) se comprometeu a sustentar, a cuidar, a desenvolver o pobre amor humano deles, para que ele possa crescer com os anos que passam.
Não seria porque, tendo esperado unicamente sobre o amor humano deles, tendo negligenciado os socorros que lhes foram prometidos e que estavam lá, na porta deles, que muitos esposos que se amavam no começo de seus casamentos, acabaram se desafeiçoando um do outro, a se detestar, a se odiar e a divorciar?
– Se amar com verdadeiro amor e, portanto, se dominar suficientemente para não se deixar levar pela paixão que gera o egoísmo, o inimigo do amor. O domínio deles mesmos é, para os esposos, condição para que tenham êxito no amor deles, mesmo na sua expressão carnal. Ora, esse domínio deles mesmos, essa castidade conjugal, não é algo que vai na linha do homem animal; “Maridos, possuí vossas esposas, mas não como os pagãos que não conhecem Deus”, escrevia São Paulo. Para os ajudar nisso, a graça do sacramento do matrimônio também está aí.
– Se amar com verdadeiro amor e, portanto, chamar à vida todos os filhos que Deus quer lhes dar, fruto do amor deles, não deixando que a prudência do mundo venha impedir de recebê-los. E, aqui ainda, a graça do sacramento estará à disposição deles durante toda a vida conjugal.
– Se amar com verdadeiro amor e, portanto, colaborar para educar esses filhos que Deus lhes confiou como talentos preciosos que devem ser frutificados.
A educação sempre foi e ela é, mais do que nunca, a arte das artes, uma obra muito grande e muito difícil! E, aqui também o sacramento do matrimônio, com seus socorros especiais para a educação dos filhos, está à disposição dos esposos cristãos.
– Se amar com verdadeiro amor e, portanto, a partir do amor humano deles, se ajudar mutuamente a se santificar, pois “a santidade é nossa vocação comum” (I Tess. 4,3). E, como dizia Pio XII a jovens esposos: “as graças tão abundantes que o sacramento do matrimônio vos comunicou (…) vos foram dadas igualmente para vos santificar”.
Eis então a graça do sacramento do matrimônio:
- aumento da vida divina;
- fortalecimento da união conjugal;
- direito aos socorros do céu para enfrentar todas as obrigações do amor.
Em que momento o sacramento do matrimônio produz seus efeitos?
Como todos os sacramentos, o matrimônio produz seus efeitos sobrenaturais no momento mesmo no qual ele é administrado. É, portanto, no mesmo momento em que os esposos trocam o consentimento deles, no mesmo momento em que eles contraem o matrimônio na forma prescrita pela Igreja, que o sacramento é administrado e que ele produz seus efeitos, ou seja, que ele dá a graça santificante, fortalece a união conjugal e dá direito às graças atuais que os esposos receberão no momento em que elas lhes serão necessárias. Vejamos, então, o que se passa na alma dos esposos no mesmo momento em que eles se casam.
1. O sacramento ele mesmo. Qualquer que seja o estado da alma dos esposos, que eles estejam, um ou os dois, em estado de graça ou em estado de pecado mortal consciente, pelo único fato de que eles trocaram validamente o consentimento deles, o sacramento é realizado e os esposos o receberam validamente.
2. Fortalecimento da união conjugal. Esse efeito é sempre produzido e a união do casamento válido dos batizados, mesmo contraído em estado de pecado mortal, possui essa mesma solidez que o separa de todo o poder humano, mesmo o poder do Papa, uma vez que ele foi consumado.
3. Aumento da graça santificante. Todo sacramento válido pode produzir a graça e a produz de fato se o sujeito está em estado de recebê-la. Mas, se o sujeito que recebe o sacramento não está em estado de receber a graça que esse sacramento produz, como acontece, por exemplo, quando um sacramento dos vivos é recebido por alguém que sabe que está em estado de morte sobrenatural, esse sacramento, instituído para produzir a graça e não podendo produzi-la por culpa de quem o recebe, se encontra profanado por ele; essa profanação constitui um sacrilégio.
Tomemos o exemplo da eucaristia. A cada vez que um padre toma pão e vinho e pronuncia as palavras que Jesus nos mandou pronunciar, o sacramento da eucaristia é realizado. E o padre distribui a comunhão. Ele a distribui a almas em estado de graça, ou seja, em estado de vida sobrenatural. Essas almas recebem o sacramento e a graça produzida por ele. O padre pode também distribuir a comunhão a almas em estado de pecado mortal, quer dizer, em estado de morte sobrenatural. Essas almas recebem o sacramento da eucaristia mas, estando mortas sobrenaturalmente, elas não recebem a graça desse sacramento. E a eucaristia, não podendo produzir a graça por culpa daquele que comunga, se encontra profanada; a comunhão é sacrílega. É o que nós cantamos no “Lauda Sion”: Sumunt boni, sumunt mali; sorte tamen inaequali: vitae vel interitus (Os bons o recebem e os pecadores também; mas os efeitos são diferentes: morte para uns e vida para outros).
Pois bem, apliquemos isso ao casamento. Cada vez que dois esposos fazem aquilo que Cristo prescreveu como devendo ser feito, isto é, cada vez que eles se casam validamente, o rito prescrito é realizado, o sacramento do matrimônio existe e ele é válido; mas a graça desse sacramento que eles recebem só é recebida por eles se eles estão em estado de graça, em estado de vida sobrenatural, pois o matrimônio é um sacramento dos vivos. E, assim, se eles estão em estado de graça, o sacramento que eles recebem validamente aumenta automaticamente neles essa graça santificante que eles já possuem. Mas, se um dos dois esposos, ou mesmo os dois, não estão em estado de vida sobrenatural, um ou os dois não recebem a graça do casamento e, como eles recebem realmente o sacramento, ou um ou os dois o profanam.
Mas guardem bem isso: que eles estejam em estado de recebê-lo ou que eles não o estejam, pelo único fato de que batizados se casem validamente, eles administram validamente o sacramento. É a graça, somente, que é recebida ou não, por um ou pelos dois, se um ou os dois estão ou não em estado de recebê-lo, isto é, em estado de graça. E mesmo se os dois esposos não recebessem a graça do sacramento, o sacramento deles permaneceria válido e não deveria ser recomeçado.
4. Direito aos socorros especiais. Esse efeito acompanha sempre o casamento válido dos batizados e se os esposos estão em estado de graça com Deus eles podem pedir esses socorros desde o momento que eles receberam o sacramento e que eles têm necessidade desta ajuda.
O que seria daqueles que se casassem em estado de pecado mortal? Os dons de Deus são sem arrependimento e aos esposos que se casam em estado de pecado mortal, bem como aqueles que caem depois em pecado mortal, o Senhor conserva esse efeito do sacramento. Mas, se esse direito permanece, ele está como que bloqueado durante todo o tempo em que os esposos não estão na amizade de Deus.
Não esqueçam que o pecado mortal separa de Deus aqueles que o cometem e o único direito que o pecado lhes dá é de ir para o inferno. O pecador, tendo se separado de Deus, não pode exigir dele mais nada até que, pela conversão, tendo tirado o seu pecado, ele volte para Deus. Tendo voltado para Deus, por um ato de contrição perfeita ou por uma boa confissão, o cônjuge reencontra esse direito que o Senhor lhe concedeu, pois o Senhor é fiel. Ele pode, então, exigir do céu os socorros que lhe foram prometidos, para cumprir dignamente e com uma certa facilidade as obrigações de seu estado.
Aproveito para ressaltar uma coisa: com uma certa facilidade. Muitas vezes, cumprir os deveres de pai e de esposo, de mãe e de esposa, será penoso. As graças que Deus dá para vocês, e que vocês devem pedir, ajudarão vocês a cumprir esses deveres, não com uma total ausência de sacrifícios, mas com uma certa facilidade. Vocês precisarão colocar a gota de sacrifício de vocês, e Deus a receberá, certamente. Nem tudo será sempre agradável e fácil, mas com a graça de Deus será possível, finalmente, cumprir o dever de vocês.
Portanto, a esse título de esposos cristãos, vocês têm essa graça sacramental à disposição de vocês. Vocês podem pedi-la e usar dela. E essa graça está à disposição de vocês para todas as atividades de esposos, para que vocês se amem e se dediquem um ao outro, para que vocês perdoem mutuamente os erros de vocês, para chamar generosamente à vida essas crianças que Deus destina para que sejam eleitos no céu, para educá-las catolicamente, para vir ao auxílio de todas as necessidades de vocês.
Nós todos podemos rezar uns pelos outros, mas nossas orações só têm poder sobre o coração de Deus na medida da santidade que elas têm. Mas, quando um esposo reza para Deus pelas necessidades do seu cônjuge ou pelas necessidades dos seus filhos, como essa caridade decorre do seu sacramento do matrimônio, então sua oração é beneficiada não somente do crédito que lhe é dada pela sua união com Deus, mas, também, e eu diria, sobretudo, de todo o poder que lhe é dada, sobre o coração de Deus, pelo sacramento que ele recebeu e que persevera nos seus efeitos.
Mas, aqui ainda, não esqueçam, esse poder só age quando o esposo está em estado de amizade com Deus. E vocês compreendem, ainda uma vez, como o estado de graça, esse estado habitual de amizade com Deus, é necessário aos esposos, tanto para transformar em graças e em méritos todas as atividades deles, quanto para obter os socorros que lhes são necessários e que Deus se comprometeu a lhes conceder.
E uma vez que a finalidade do casamento de vocês é a educação dos filhos que vocês muito estimam, essa obra tão difícil, sobretudo na nossa época onde parece que tudo conspira contra o ideal cristão, deixem-me dizer para vocês, pais cristãos, que, se vocês vivem na amizade divina, o sacramento do casamento de vocês dá para vocês o direito de pedir a Deus e, portanto, de receber dele, todos os socorros que são necessários a vocês para educar os filhos que vocês têm, para fazer deles homens e mulheres, moldando Cristo neles.
Ah! Se vocês soubessem, senhoras e senhores, que poder tem sobre o coração de Deus a oração de um pai e de uma mãe que suplica pelo seu filho! Lembrem-se do exemplo de Santa Mônica. Foi pela oração que ela conduziu para Deus seu marido, o pagão Patrícius e seu filho, Agostinho, o maniqueu.
“Seja comendo, seja bebendo, e em qualquer coisa que vós fizerdes, nos diz São Paulo, fazei tudo para a glória de Deus” (1 Cor. 10, 31), e quando vocês vão se confessar, o padre, ministro da reconciliação das almas com Deus, dirige para Deus todas as atividades de vocês para fazer delas atos meritórios da graça: “Que todo o bem que vós fizerdes, e todo mal que vós suportardes, contribuam para o perdão dos vossos pecados, aumente em vós a graça e vos obtenha a vida eterna”. Em tudo o que vocês fazem de bem e suportam de difícil em todas aquelas atividades de esposos. Todas as atividades que vocês têm, portanto, o trabalho cotidiano de vocês, as múltiplas ocupações, a dedicação mútua e aquela que é exigida para a educação dos filhos de vocês, e, algumas vezes, o cuidado de parentes velhos; tudo o que vocês fazem de bom: uma surpresa agradável que vocês fazem ao cônjuge ou aos seus filhos, uma boa refeição que lhes é preparada, um aniversário que é festejado, tudo é meritório para o céu; e tudo o que vocês suportam de difícil: a falta de paciência ou o mal humor de um cônjuge, os choros de uma criança doente ou mimada, uma doença que vocês têm, a ingratidão de uma pessoa querida, tudo isso contribui também para o perdão dos seus pecados, aumenta em vocês a graça e a recompensa de vocês no céu. Mas, notem bem, em tudo isso não se trata de um ministério dos esposos. Para fazer com que vocês tenham mérito, Deus usa essas coisas e não o cônjuge. E aqui, eu devo precisar, todas as atividades de vocês, o bem que vocês fazem e as coisas difíceis que vocês suportam, tudo obtém para vocês a graça e aumenta o mérito, com uma condição, que vocês estejam em estado de graça, em estado de vida divina. Pois, fora deste estado, nada é ganho para o céu e é do céu que tratamos quando falamos de mérito e de graça.
Quando estamos em estado de graça, em estado de vida divina, tudo o que fazemos de bem, mesmo reclamando porque isso repugna a nossa natureza, é digno de mérito. Assim, quando o meu despertador toca de manhã, acontece frequentemente que eu me queixe dele. Entretanto, eu me levanto porque eu devo me levantar. É a vontade de Deus que eu me levante para cumprir o meu dever de estado. Ora, o que conta, é que eu tenha me levantado. Fazendo isso eu faço a vontade de Deus, grunhindo talvez, mas, finalmente de modo livre, e isso agrada a Deus. Fazemos verdadeiramente a vontade de Deus, e adquirimos um mérito.
Sim, tudo o que se faz de bem em estado de graça, em estado de amizade com Deus, é meritório. Por quê? Porque todas as atividades dos cristãos unidos a Deus são atividades de Cristo que age pelos seus membros e dá para nossas atividades que estão em ordem, que estão conformes à sua vontade, um valor divino, meritório do céu.
Mas, atenção, eu repito, nossas atividades têm esse valor unicamente se nós a fazemos em estado de união a Cristo, isto é, em estado de graça. Se, por infelicidade, nós estivéssemos separados de Deus, e isso acontece somente pelo pecado mortal não perdoado, então todas as nossas atividades, mesmo aquelas que aparecessem como as mais dignas de elogio, não teriam, com efeito, nenhum mérito diante de Deus para o céu. Os teólogos chamam essas boas ações, feitas por alguém que está em estado de pecado mortal, de obras mortas, isto é, de obras perdidas, que não tem nenhum valor meritório para o céu. É São Paulo que o afirma, na sua primeira epístola aos Coríntios “Ainda que eu distribuísse todos os meus bens para alimentar os pobres, se eu não tenho a caridade, isso não serve para nada” (1 Cor. 13, 3). A caridade da qual o Apóstolo fala é e a caridade teologal; ela acompanha nas nossas almas a presença da Santíssima Trindade e é perdida ao mesmo tempo em que se perde essa presença divina, pelo pecado mortal. Eis, então, a doutrina apostólica: fazer milagres, distribuir seus bens aos pobres, entregar seu corpo às chamas e, portanto, se consumir em obras, tudo isso são obras mortas que não servem de nada, não tem valor para o céu se elas são feitas em estado de pecado mortal.
Essas boas ações, realizadas em estado de morte sobrenatural, só podem ter um valor de impetração para dirigir, sobre aquele que as realiza, a misericórdia de Deus e lhe obter uma graça de conversão, de retorno à vida divina.
Em conclusão, tomem o hábito de viver na amizade de Deus, e saibam que então todas as atividades de vocês, as mais banais, as mais comuns, bem como as mais heróicas e os gestos de amor de vocês, tudo isso são atividades de filhos ou de filhas de Deus, atividades de Cristo e, a esse título, santificantes e meritórias para o céu.
A experiência geral de ontem, de hoje e de sempre, fundamentada sobre a natureza, atesta que, na educação moral, nem a iniciativa, nem a instrução apresentam de si qualquer vantagem; elas são, ao contrário, gravemente ruins e prejudiciais se elas não estão fortemente unidas a uma disciplina constante, a um domínio rigoroso de si mesmo, ao uso, sobretudo, das forças sobrenaturais da oração e dos sacramentos.
Pio XII, alocução aos pais de família franceses, 18-08-1951
Para conservar intacta essa castidade, nem a vigilância, nem o pudor são suficientes. É necessário, ainda, utilizar esses socorros que ultrapassam as nossas forças naturais: a oração, os sacramentos da penitência e da eucaristia e uma devoção ardente para com a Santíssima Mãe de Deus.
Encíclica Sacra Virginitas, 25-03-1954
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