Sermão do Domingo do Bom PastorFugir dos Mercenários (II Domingo de Páscoa)

Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

Hoje é o Domingo do Bom Pastor, festa de 1ª classe para os membros do Instituto do Bom Pastor e neste ano a Santa Sé nos concedeu uma indulgência plenária para quem assistir piedosamente uma liturgia do IBP e, além das condições ordinárias, rezar hoje um Pai Nosso, Ave Maria e Credo, o que faremos após o canto final de Regina Caeli.

No Evangelho que lemos, Cristo diferencia o bom pastor do mercenário, pois em certos casos parecem agir de modo igual, mas nos momentos cruciais, vemos quem é de fato bom pastor e quem é mercenário.

Quando o lobo ameaça as ovelhas, o bom pastor o enfrenta, enquanto que o mercenário foge. O bom pastor busca as ovelhas que estão fora do rebanho para uní-las de novo sob seu pastoreio. As ovelhas sabem distinguir o bom pastor do mercenário, que está lá por algum interesse próprio e não pelo bem das ovelhas.

Cristo é O modelo de Bom Pastor, bem como o autor da Bíblia, por isso podemos aprender Dele e da Bíblia algumas características interessantes.

O bom pastor deve estar atento aos perigos que as ovelhas certamente encontrarão neste vale de lágrimas que é a vida terrestre. Depois do pecado original, as ovelhas são atacadas tanto por inimigos externos como por inimigos internos, conforme nomeamos no catecismo: o demônio, o mundo e a própria carne. Na carne, a ferida na natureza humana ocasionada pelo pecado de Adão afeta todo homem através da ignorância na inteligência e pela malícia na vontade. Quem de nós não é ignorante? É por isso que precisamos estudar, os pastores ainda mais, para sanar de algum modo essa ignorância e se proteger dos perigos decorrentes dela.

A malícia na vontade se não for combatida pode gerar uma multidão de pecados que se agravam a cada vez que são cometidos. Devemos odiar o pecado e, no caso de um pastor, esse ódio deve ser ainda mais acentuado. Se, por um lado, odiamos algo que em si é bom, como a natureza de alguém ou a graça nessa pessoa, então nós pecamos. Mas se, por outro lado, odiamos algo que é mau, como o pecado e o erro, então esse ódio é permitido (IIa IIae, q.34, a. 3, co.). Devemos odiar o pecado cometido por alguém, mas não odiar a pessoa em si que é criatura de Deus e por isso possui um bem a ser amado. Não devemos odiar as pessoas, no sentido de ódio absoluto querendo que alguém vá para o inferno, mas podemos ter um ódio relativo, isto é, odiar o mal feito ou defendido por essas pessoas, por exemplo, espero que todos aqui odeiem o mal feito através do roubo do dinheiro público cometido por alguns políticos. Mas ter ódio desse mal material não se compara com o ódio que devemos ter em relação a um mal espiritual ocasionado com as coisas santas, sobretudo a Santa Missa e a Sagrada Eucaristia. Se um pastor, por exemplo, trata de modo desrespeitoso a Santa Hóstia, deixando partículas caírem em qualquer lugar, como se fosse um pão qualquer, ou lê o texto do Missal de modo a trapacear o povo lendo apenas as

primeiras e últimas palavras de um trecho, como se Deus pudesse ser trapaceado, ou ainda ignorando trechos inteiros, para acelerar sua missa e ter mais tempo de usar o facebook (pois para isso sempre se tem tempo, mas para aprender a bem rezar a missa não…), chegando até mesmo a comer as palavras essenciais da consagração, como não ter ódio disso tudo? Cabe a seu superior o repreender como se deve, mas os outros pastores podem avisar suas ovelhas a se afastarem de alguém que publicamente age como mercenário, através desse descaso pelas coisas santas.

Como diria o salmista adaptando-o ao exemplo que dei (Sl 138(139) 21,22): “Porventura não odeio eu, Senhor, os que Vos odeiam [através dos maus tratos da Eucaristia], e não detesto os que se revoltam contra Vós? Com ódio implacável eu os odeio; tornaram-se meus inimigos.” Esse ódio é permitido e não é preciso se retratar por odiar corretamente. Como também não é preciso se retratar de supostas calúnias proferidas, quando não se diz nenhum calúnia nem se diz concretamente qual teria sido a calúnia feita. Não devemos ser escravos das opiniões distorcidas dos outros, senão seremos vítimas do respeito humano e do medo de não sermos amados pelos homens, sendo que o único amor verdadeiro e que importa é o de Deus. Ser mal compreendido não é um privilégio moderno, em tempos de desinformação através das redes sociais, a Bíblia, por exemplo, é muito mal compreendida. No Evangelho de São Lucas vemos Cristo dizer: “Se alguém vem a mim e não odeia seu próprio pai e mãe (…) não pode ser meu discípulo” (Lc 14, 26). Fora do contexto se entende mal o que Jesus disse, poderia-se dizer que haveria um conflito entre essa frase e o mandamento de amar o próximo, sobretudo nossos pais. Mas dentro do contexto, Jesus quer apenas dizer que o amor a Deus deve estar acima do amor às criaturas.

O zelo pela liturgia, no caso do Instituto do Bom Pastor, não é um mero capricho, mas algo que consideramos essencial para solucionar a crise pela qual passa a Igreja, que é agravada por aqueles que permitem abusos e outras práticas nocivas na Missa. O verdadeiro pastor, ao contrário do mercenário, não faz o mínimo necessário para ganhar seu salário, mas deve dar o melhor de si, sobretudo na função essencial do sacerdócio que é o sacrifício da Santa Missa. O verdadeiro pastor deve até mesmo enfrentar as leis e as autoridades quando estas se tornam obstáculos ao culto devido e respeitoso a Deus. Seguir uma lei apenas por ser lei, apesar de ver os males que na prática decorrem de sua aplicação, é agir como mercenário e não como bom pastor. As verdadeiras ovelhas também devem buscar essa Missa bem rezada, pois é através dessa busca é que fugirão dos mercenários e encontrarão o bom pastor, isto é, o bom pastor por excelência que é o próprio Cristo.

Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

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