Sermão da Solenidade da Epifania

E, sendo por divina revelação avisados num sonho para que não voltassem para junto de Herodes, partiram para a sua terra por outro caminho.

(S. Mateus 2, 12)

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

O Evangelho de hoje nos introduz a causa da matança das crianças de Belém, ordenada por Herodes. “Herodes, chamando secretamente os magos, inquiriu exatamente deles acerca do tempo em que a estrela lhes aparecera. E, enviando-os a Belém, disse: Ide, e perguntai diligentemente pelo menino e, quando o achardes, participai-mo, para que também eu vá e o adore” (S. Mateus, 2, 7-8). Sua finalidade era a de matar Jesus Cristo. Por ser uma finalidade ruim, tinha, entre outros sentimentos, medo e vergonha de propor isso diretamente aos magos. Herodes sabia que se fizesse aos magos esta proposta diretamente, que eles não a aceitariam. Por isso, busca um meio mais disfarçado.

Porém, ajudados por Deus, os magos não participarão do plano de Herodes. E ao se dar conta disso, Herodes fica furioso. E o ódio de Herodes o faz ordenar o assassinato de várias crianças, buscando assim matar o próprio Messias. Talvez, se Herodes tivesse tido chance, teria mandado matar os reis magos também. E como o Evangelho de hoje o permite, gostaria de tratar da ira e de uma das suas filhas: a vingança.

A ira é uma paixão complexa, porque é constituída pela tristeza de não ter conseguido o que queria, unida ao desejo de vingança. A ira atormenta a pessoa interiormente, por ter esses dois movimentos conflitantes, uma tristeza interior e um movimento de vingança que se manifesta para fora. A ira não é somente uma paixão, mas é também um vício, quando ela toma conta dos nossos atos de modo exagerado. E uma das consequências da ira sobre um indivíduo é buscar vingança contra a pessoa que, de algum modo, a prejudicou impedindo que ela tivesse o bem que queria. E esse desejo de vingança consiste em, de algum modo, buscar puni-la.

Há três graus de ira. O primeiro é quando nos iramos só interiormente, e ficamos remoendo interiormente o que nos desagradou. O segundo grau é quando a ira se manifesta por sinais exteriores, com palavras impacientes e gestos. O terceiro grau é quando passamos à ação, e procuramos causar o mal a outro.

Como todo vício capital, a ira gera certas filhas, isto é, outros pecados que têm sua origem nessa má disposição que ela é. Na medida em que a ira existe em nosso interior, ela gerará: a) indignação: passamos a olhar a pessoa contra a qual nos iramos como alguém que consideramos indigna, por ter feito contra nós uma determinada injúria; e b) inchaço de nosso espírito: nascem em nós diversos pensamentos de como buscar vingança, e nossa alma se vê cheia desses pensamentos. Ela fica tomada por eles, inchada por eles, são considerações que invadem nossos pensamentos. Por isso, em latim, esse efeito da ira recebe o nome de tumor mentis, inchaço do espírito.

Se a ira se manifesta por palavras, teremos duas filhas dela: c) falaremos de modo desordenado e confuso, e isso recebe o nome de vociferação; d) dirigimos injúrias aos outros, e se é contra Deus, recebe o nome de blasfêmia; se é contra o próximo, chama-se contumélia.

Em terceiro lugar, considera–se a ira enquanto realizada por atos. E então dela nascem e) as rixas, pelos quais se entendem todos os danos que, de fato, causamos ao próximo pela ira.

Se a ira torna-se muito forte e chega a tomar toda a vida da pessoa, então sua relação com as coisas sagradas fica prejudicada e ela passa a ser irreverente para com as coisas sagradas, ou com as pessoas particularmente ligadas a Deus, como padres, religiosos, etc., e é capaz de desejar o mal e de querer fazer mal até mesmo a um padre ou religioso.

E hoje, dentre todos os efeitos da ira, gostaria de destacar a vingança, porque ela materializa muito drasticamente o espírito contrário ao espírito de Jesus Cristo e que todo cristão deve ter. Porque é necessário respeitar as pessoas.

Quando digo respeitar as pessoas, não quero dizer que devemos tolerar a vida de pecado delas. Não é disso que tratamos aqui. O que quero dizer é que devemos respeitá-las porque elas, todas elas, todas as pessoas, têm sobre suas cabeças o sangue de Jesus Cristo. Ele deu sua vida por cada pessoa, mesmo por aquela que nos fez o mal. Cada pessoa ou está em estado de graça ou pode, um dia, vir a estar. Ou ela é um filho de Deus, ou poderá sê-lo. Por isso devemos respeitá-las, porque são filhas de Deus, ou o podem ser um dia. Ou já são amigas de Deus ou, quem sabe um dia, o serão, se ainda não o são.

E, no mais, se Deus resolvesse nos pedir contas mesmo, de verdade, estritas, do que já lhe fizemos, quem ficaria em pé?… Não receberemos um tratamento de Deus que é proporcionado ao modo como tratamos os outros? Se desejarmos o mal aos outros, como pretenderemos receber o bem de Deus? Que benefício ganhamos? Afinal de contas, não é verdade que o bem sempre deve ser feito e o mal sempre deve ser evitado? Porque, então, desejar o mal a alguém?

Muitas pessoas se deixam dominar pelo desejo de vingança, de modo mais ou menos sorrateiro. Há casos de pessoas que chegam até mesmo a lançar feitiços contra os outros, lhes desejando o mal, e chagam a fazê-lo inclusive com algum padre ou religioso, não vendo mais nele a pessoa de Nosso Senhor. Às vezes lançam esses feitiços por simples pensamento, sem recorrer a ritos, sem ir em lugares de feitiçaria. Já isso basta para prejudicar o próximo, porque faz com que, de fato, o demônio passe a agir mais sobre a pessoa, causando a ela prejuízos materiais e espirituais. Nada que alguns terços não possam remediar, mas o mal foi desejado, o espírito de vingança fez suas maldades.

Quem se deixou ferir pelo espírito de vingança, e chegou a desejar o mal do próximo, recorrendo até mesmo a algum feitiço, não deve se desesperar. É absolutamente possível vencer a ira e suas filhas. O principal meio é a devoção ao Sagrado Coração. Como nesta devoção pedimos a Nosso Senhor que faça o nosso coração semelhante ao dele, que é manso e humilde, Ele nos torna mansos e sem inclinação para a vingança, se trabalhamos para ter essa devoção. A mansidão é a virtude oposta à ira.

Outra coisa a fazer é trabalhar para ver nossas misérias e reconhecê-las, vendo como somos pequenos. Quando não obtivermos o que queremos, seremos menos inclinados a ver nisso uma ofensa, porque reconhecemos nosso verdadeiro lugar nos planos de Deus. Sobretudo quando nossos desejos são contrários à sua lei.

Devemos também trabalhar no espírito de mortificação, porque assim sofreremos com mais tranquilidade e paciência as ofensas que os outros nos fazem.

Finalmente, procuremos nos confessar se a vingança tomou conta de nossa vida. O padre nunca ficará indignado na confissão mas, ao contrário, ficará edificado por ver que a vontade ruim do pecador mudou. Não podemos deixar que o espírito de vingança tome conta de nós. Devemos trabalhar seriamente na devoção ao Sagrado Coração, no espírito de humildade, na mortificação dos desejos que nos afastam de Deus, ir nos confessar, e veremos que o desejo de vingança e de querer o mal ao próximo desaparecerá, e teremos paz.

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.

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