Sermão da Septuagésima (2018)

Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

Começamos hoje a Septuagésima que é como um preparo para a Quaresma que está por vir. Antigamente a penitência da Quaresma era bem mais rigorosa do que hoje, mas o espírito de sacrifício ainda se mantém. A cor do dia é violeta, mostrando justamente esse tom pesado penitencial. O “Alleluia”, expressão de alegria e leveza de alma, desaparece, sendo no Ofício de Vésperas de ontem sua última aparição como que sendo um adeus a ele até seu ressurgimento glorioso no Sábado Santo.

Nossa vida de católicos não deve se resumir apenas na missa do domingo, por isso convém cada família tomar medidas e motivar seus filhos que já comungam a também mudarem algo na sua rotina para caracterizar que nos aproximamos da Quaresma. Um exemplo bem prático seria o de restringir o excesso de tempo que gastamos com entretenimento e coisas fúteis e gastarmos esse tempo com mais oração e leituras edificantes, como os tantos livros de santos que facilmente temos acesso pela internet.

A epístola e o Evangelho de hoje falam de trabalho, mas não de um trabalho qualquer, mas de um trabalho para Deus, o verdadeiro trabalho para o qual fomos criados. Esse trabalho consiste em trabalhar a própria alma em primeiro lugar e, em seguida, a do nosso próximo.

É mais fácil construir um prédio inteiro sozinho do que mexer numa simples palha na nossa alma. Isso devido ao pecado original. Todavia, é importante mudarmos bem mais do que apenas uma palha na nossa alma, pois, caso contrário, não entraremos no reino dos Céus, reino esse dados aos que fazem violência à própria alma. Reino esse do qual Jesus disse que aquele que não “aborrecer a própria vida” (Lc 14, 26) por amor de Deus não poderá entrar.

Um problema muito visível na sociedade atual, do qual os católicos, mesmo ditos “tradicionais”, não escapam, é a busca desequilibrada por prazer. Dito de outro modo, há uma busca desenfreada por dopamina e endorfina em suas vidas.

Antigamente isso era visível nas pessoas com problemas alcoólicos, cujas consequências físicas e morais eram facilmente constatáveis. Mesmo assim, Deus nunca proibiu o uso de bebidas alcoólicas, visto que na própria Missa o sacerdote é obrigado a tomar vinho durante a purificação dos vasos sagrados. Mas isso não impede que para algumas pessoas em particular seja preciso barrar por completo o consumo de álcool para poder voltar sua alma e corpo ao equilíbrio desejado por Deus.

No mundo moderno há outras coisas que cumprem uma função parecida à do álcool ou das drogas através de aparelhos eletrônicos, gerando dependência. Por aparelhos eletrônicos entenda-se: celulares, internet e televisão.

A Quaresma que se aproxima é um ótimo momento de rebalancear as coisas em nossas vidas. Colocar limites ou cortar por completo o uso de tais meios será claramente uma ótima iniciativa, melhor do que outras práticas mais “clássicas” como a de se flagelar com cordas ou a de se ajoelhar no milho. Creio que muitos adolescentes prefeririam ficar meia-hora ajoelhados no milho a ficar um minuto sem ver o Facebook ou o Instagram…

O Padre Pasquotto em outro sermão disponível em nosso site, o qual recomendo ler ou reler, já tratou da questão das redes sociais. Mas certas coisas precisam ser ditas várias vezes, como a condenação dos bailes na época de São Cura d’Ars.

Combatamos esse ciclo gerador de dopamina de visualizar ou gerar conteúdo desnecessário nas redes sociais, ou status do Whatsapp, o que dá na mesma. Pensemos seriamente, com qual fim faço tal coisa? É para eu aparecer mais e Cristo menos? É por curiosidade vã? Falta sobriedade nesse quesito. Agimos de modo impulsivo sem pensar no que tornamos público.

Por exemplo, não somos obrigados a expor toda nossa vida aos outros, não somos importantes, nem isso edifica os outros. Há também o fator de segurança, pois uma foto colocada numa rede social, mesmo com os vários mecanismos de controle, acaba por se espalhar e perpetuar nessa hidra gigante e misteriosa que é a internet, podendo, claro, ser usado contra nós, mesmo em vista de sequestros. Colocando isso de outro modo, na dúvida do bem de algo, não publiquem.

São Paulo nos mostra como a caridade age. Após chamar os veganos de fracos (Rom 14, 2), ele diz que “é bem não comer carne, nem beber vinho, nem fazer coisa em que teu irmão encontre ocasião de queda” (Rom 14, 21). Não se trata de ser vegano, mas de ser atento às circunstâncias. Um padre, por exemplo, ao visitar um ambiente onde o álcool traz briga e confusão, sabe que não convém pedir uma cerveja para beber e dela se abstém para não ser causa de queda do próximo.

Se fazemos algo que é limite entre o lícito e o ilícito, ou o que dá ares de ser algo ruim, ou ainda um pecado venial do qual não vemos a devida gravidade, então não publiquemos na internet. Se tenho que dar uma extrema-unção a uma mulher de má vida arrependida na hora da morte numa casa ruim, não irei colocar isso na internet. Não convém. Mesmo com todas as explicações do mundo. Isso também vale para outras coisas que aparentam motivar situações perigosas para a alma como as praias, piscinas, academias de ginástica, eventos e ações mundanas, etc. Mesmo se tomamos as devidas precauções, não somos obrigados a nos expor publicamente e complicar nossa vida explicando tudo o que fazemos.

A tendência das pessoas mais experientes é a de criar justificativas para o que irá fazer fazendo sutis distinções, mas acabam esquecendo dos mais fracos que podem se escandalizar, isso é, ver nisso um mau exemplo. Por isso agiriam bem não publicando essas situações-limite na internet. Tomo aqui o exemplo do ancião Eleazar do livro dos Macabeus (2 Mac 6, 21 seq.), a quem os pagãos obrigam comer uma carne proibida aos judeus sob pena de morte caso desobedecesse. Pessoas próximas dele sugerem que ele finja comer tal carne, sem de fato a comer, enganando os pagãos, o que era de certo modo fácil de fazer. Nas palavras de Eleazar: “Realmente não é digno da nossa idade usar de fingimento; daí poderia resultar que muitos jovens, julgando que Eleazar, aos noventa anos, passara para a vida dos pagãos, viessem também eles, por causa deste meu fingimento para conservar um pequeno resto duma vida efêmera, a cair em erro, o que atrairia a vergonha e a execração sobre a minha velhice.”. Que belo exemplo de sabedoria! Que pena que muitos dignitários não o sigam, sobretudo dando aparência de aprovação às falsas religiões, em sua busca desordenada de ecumenismo e diálogo inter-religioso…

Em suma, se for para publicar algo, publiquem coisas edificantes, não dúbias. Não achem que o padre aprova o que foi publicado apenas pelo fato da pessoa frequentar nossas missas. O silêncio do padre não implica em aprovação, senão o padre estaria aprovando 99% das besteiras que são ditas e feitas no mundo todo…

Que Nossa Senhora, torre de marfim, nos afaste das coisas mundanas e assim nosso alma possa voar levemente para as coisas celestes.

Em nome do Pai, e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

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