Sermão do XVIII Domingo depois de Pentecostes – A paralisia espiritual

Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

[Avisos]

Jesus vê um paralítico e a primeira coisa que ele diz é “Os seus pecados estão perdoados”. Nossa reação talvez não seja como a dos fariseus que ficaram com raiva do que Jesus disse, pois se afirma que Jesus é Deus, pois apenas Deus pode perdoar os pecados. Todavia, temos ainda assim uma surpresa, pois o que nos parecia mais provável é que Jesus fosse fazer logo um milagre de cura física. Mas Jesus vê as coisas sob um aspecto mais elevado que o nosso. Jesus vê a paralisia sim, mas a paralisia espiritual daquele que estava à sua frente.

A paralisia espiritual é algo presente não apenas no paralítico corporal, mas pode estar presente também em pessoas de boa saúde. E há graus de paralisia espiritual, como há graus de paralisia corporal.

A paralisia corporal consiste num defeito nos nervos que não enviam ou não recebem informações do cérebro. A paralisia espiritual, de modo análogo, também consiste num defeito nos nossos nervos espirituais causado pelo pecado, que bloqueia a comunicação de inspirações divinas na nossa alma ou na execução prática delas.

O pecado que causa a paralisia é uma certa frieza e preguiça espiritual. Dito de outro modo, o paralítico espiritual é aquele que permanece no seu pecado. Essa paralisia nos faz imóveis, não fugindo do mal quando preciso, nem buscando o bem a todo momento.

Nossa alma é como um barco furado pelo pecado original, em que entram as águas do pecado a todo momento, e a todo momento temos que jogar fora essa água para não naufragar. Achar que não há água entrando no barco ou não ter força de vontade de removê-las são dois modos de deixar que o barco naufrague e assim se afogar no pecado.

E o pior é que o paralítico espiritual não busca a cura, pois se desconhece doente. Como dizem as escrituras do paralítico ou preguiçoso espiritual: “O preguiçoso julga-se mais sábio do que sete homens que respondem com prudência.” (Prov 26, 16), por isso é difícil convencê-lo do seu erro, não querem ser corrigidos ou curados.

Essa paralisia se origina de duas fontes: de uma bajuladora desculpa que criamos para os nossos pecados (não é tão grave, todos temos nossos pecadinhos…etc.) e um grande desleixo na força de vontade, que nos faz preferir permanecer no pecado a ter que experimentar a amargura do remédio. Como diz o salmista: “Não sucumba meu coração em palavras maliciosas, buscando desculpas para os pecados” (Ps 140) (Non declines cor meum in verba malitiae, ad excusandas excusationes in peccatis). Tais pessoas não confessam esses seus pecados, pois são como homens que bebem a iniquidade como água (Jó 15, 16) e que, como Esaú, não dão importância ao fato de ter perdido seu direito de primogenitura em troca de um nada, isto é, o de perderem a condição de filhos de Deus. E a coisa piora se são preguiçosos em confessar seus pecados e em mudar de vida.

Tais doentes devem meditar nas palavras do Livro do Eclesiástico “Filho, pecaste? Não o faças mais. Mas ora pelas tuas faltas passadas, para que te sejam perdoadas. Foge do pecado com se foge de uma serpente; porque, se dela te aproximares, ela te morderá.” (Eclo. 21, 1-2)

Os pensamentos de Santo Agostinho no momento de sua conversão ilustram bem essa situação, dizia ele: “Por isso eu suspirava, atado, não pelas férreas cadeias duma vontade alheia, mas pelas minhas, também de ferro. O inimigo dominava o meu querer, e dele me forjava uma cadeia com que me apertava. (…) A vontade nova, que começava a existir em mim, a vontade de Vos honrar gratuitamente e de querer gozar de Vós, ó meu Deus, único contentamento seguro, ainda se não achava apta para superar a outra vontade, fortificada pela concupiscência. Assim, duas vontades, uma concupiscente, outra dominada, uma carnal e outra espiritual, batalhavam mutuamente em mim. Discordando, dilaceravam-me a alma. (…) Eu já não tinha aquela desculpa pela qual me parecia que, se eu ainda não desprezava o mundo, para Vos servir, era porque tinha uma luz incerta da verdade. Já não tinha essa desculpa, pois a luz também já era certa para mim. Porém, ainda ligado à terra, recusava alistar-me no Vosso exército, e temia tanto ver-me livre de todos os impedimentos como se receasse ficar preso.” (Confissões livro 8, cap. 5)

Mas as pessoas que conhecem a luz de Cristo, ainda teimam em dizer-lhe: “Um instante, um instantinho, esperai um momento”. Mas este “instante” não tinha fim, e este “esperai um momento” ia-se prolongando (ibidem). Não diga a Cristo que bate à nossa porta: “volte amanhã”, já que nós podemos abrir a porta no mesmo momento em que Ele bate. Devemos buscar o Senhor enquanto ainda é tempo (Cf. Is 55) e temer o Senhor que passa e não volta mais.

É preciso limpar as afeições do coração, tirar o que não leva a Deus, e ter o firme propósito de se corrigir. Quem não quer trabalhar, que não coma, dizia São Paulo (Cf. I Tess. 3). Quem não quer trabalhar para a própria salvação, que não coma o pão celeste da Missa. Não temamos de mudar de vida, pois não há o que temer, do ponto de vista de algum fator externo, mas apenas internamente quanto à nossa teimosia e dureza de coração. Façamos um exame de consciência para analisarmos o que nos detém o passo. Qual afeto desordenado tenho por alguma criatura ou modo de ser?

O frio é curado pelo calor e é o fogo da Eucaristia e da Palavra de Deus que devem combater nossa frieza espiritual. Mas no caso do paralítico terminal, que não pode receber a Eucaristia por não estar minimamente disposto a ela, resta meditar a morte e sobretudo o fogo do inferno, próprio para combater essa frieza letal. Pensando nas penas do inferno e do purgatório, quem não se esforçará de evitá-las, visto que está em nosso poder?

Esforcemo-nos por entrar na porta estreita, mas sem pensarmos nas dificuldades, que o demônio aumenta mais do que elas realmente são, pois o jugo de Nosso Senhor é suave e leve, para os que generosamente fazem a Sua vontade, mas pesado para aqueles que não se dão totalmente a Ele.

Em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. Amém.

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