O Cânon da MissaSermão do V domingo depois da Epifania

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

No último sermão falamos da origem das orações ao pé do altar, e seu significado espiritual. Hoje veremos alguma coisa sobre o Cânon da missa. Nossa intenção não é a de seguir uma ordem rigorosa das orações da missa, mas de explicar, pouco a pouco, certos aspectos mais interessantes do rito, que nos ajudem a saber do que fazemos parte ao assistir a Santa Missa.

O Cânon da missa é o conjunto de orações que começa nas palavras “Te igitur…“, após o Sanctus, até as palavras “…per omnia saecula saeculorum“, antes do Pai nosso. Cânon, em grego, significa regra, algo que é uma referência, uma norma. Ele recebeu este nome porque é o conjunto de orações que são a regra, a referência de como devemos consagrar. É a forma fixa de como oferecer o sacrifício do Corpo e do Sangue de Nosso Senhor, à qual todos devem se conformar. O Papa São Dâmaso I, que governou a Igreja no século IV, foi um dos responsáveis pela fixação do Cânon. O padre não tem direito de alterar essa norma, de colocar seu toque pessoal nessa regra que não é dele, mas da sociedade instituída por Jesus Cristo, a Igreja Católica, para que Deus receba o culto que lhe é devido.

Todo o Cânon é dito pelo padre em voz baixa. Ninguém ouve o que é dito, a não ser o próprio sacerdote que reza a missa. Quando começou esta prática, de que o sacerdote rezasse o Cânon da missa de modo a não ser ouvido por ninguém? É difícil determinar. O imperador Justiniano, no século VI, publicou uma lei dizendo que todos os bispos e padres deviam oferecer o santo sacrifício de modo que todos os fiéis pudessem ouvir o que era dito. A conclusão é evidente: já havia começado dentro do clero, algum tempo antes desse decreto imperial, o costume de rezar o Cânon da missa em voz baixa, no século VI, talvez antes mesmo. Rezar o Cânon em voz baixa, no início, era um costume que foi se difundindo, uma tendência no clero, e não uma obrigação. Aos poucos essa prática se consolidou.

É necessário destacar que rezar o Cânon da missa em voz baixa é um exemplo de algo muito comum nas cerimônias litúrgicas. Nos ritos orientais, é comum o sacerdote rezar em voz baixa, enquanto os fiéis, em união com o diácono, fazem outras orações em voz alta.

Um outro motivo, bem mais prático e funcional, é o de buscar encurtar o tempo de missa. Rezando o Cânon em voz baixa, o sacerdote toma menos tempo para rezar as orações. E é por isso também que o sacerdote, depois de recitar pessoalmente o Sanctus, já inicia o Cânon, sem esperar que o coral tenha acabado de cantá-lo. Além disso, como o coral ainda está cantando o Sanctus quando o sacerdote inicia o Cânon, este precisa ser rezado em voz baixa. Isso tornou-se um costume, que aos poucos foi se difundindo.

Com o tempo, algumas verdades doutrinárias ficaram contidas no fato do sacerdote rezar o Cânon em voz baixa: a) de que a Santa Missa é um culto oferecido a Deus, e não um encontro da comunidade para vivenciar uma experiência pessoal e sentimental de fé; b) de que o sacerdote não é um membro da assembleia, que somente presidiria a missa, rezada por todos; mas que somente ele, na missa, tem poder de consagrar e oferecer o verdadeiro Corpo e Sangue do Senhor, e portanto somente ele reza e ouve as palavras que mais imediatamente se referem à Consagração; c) de que a Santa Missa não é um ato que está no mesmo patamar das atividades quotidianas das pessoas, mas o ato mais sagrado e misterioso da Igreja Católica, e que deve ser realizado com toda gravidade e reverência, o que fica muito bem indicado pelo silêncio que reina na Santa Missa durante o Cânon.

Por isso o Concílio de Trento afirma, nos seus cânones sobre o Santo Sacrifício da Missa: “Se alguém disser que o rito da Igreja Romana que prescreve que parte do Cânon e as palavras da consagração se profiram em voz submissa, se deve condenar, ou que a Missa se deve celebrar somente em língua vulgar (…), seja excomungado“.

Essa prática tem efeitos profundos na vida espiritual dos católicos. O silêncio é necessário para subir até as alturas da oração. Este silêncio não é necessário para a oração vocal, mas o é para a oração mental e os outros sete graus de oração. Santo Agostinho diz que ninguém pode se salvar se não reza. Ora, é um fato que a oração mental e a oração em geral sofreram um colapso entre os leigos (e entre o clero, também) nos últimos quarenta anos. Muitos padres têm a opinião de que isso tem realmente a ver com o ritual da Missa. Atualmente, no rito promulgado por Paulo VI, tudo gira em torno da oração vocal, e os aspectos coletivos da oração são pesadamente enfatizados. Isto levou as pessoas a crer que somente as formas de oração vocal e de orações coletivas têm um valor real. Consequentemente, as pessoas não rezam mais sozinhas e recolhidas.

O rito antigo, por outro lado, realmente promove uma vida de oração. O silêncio durante a missa, na verdade, ensina as pessoas que elas devem rezar. Enquanto o rito romano tradicional é realizado, ou a pessoa irá se perder em distrações ou irá rezar. O fiel, porém, se dá conta de que o recado é claro: “aproveite o silêncio para rezar, não fique distraído na missa”. O silêncio e o encorajamento para rezar durante a missa ensina as pessoas a rezar por conta própria. Estritamente falando, os fiéis não estão rezando sozinhos, na medida em que eles devem unir suas orações e sacrifícios ao sacrifício e à oração do sacerdote. Mas essas ações são feitas interiormente e de modo mental e, assim, naturalmente, os dispõe para essa forma de oração. Esta é uma das razões que fazem com que as pessoas sejam naturalmente mais silenciosas e tenham a tendência de rezar depois, quando a missa é rezada conforme o antigo ritual. Se tudo é feito vocalmente e em voz alta, as pessoas pensam que quando não ouvem mais alguma voz, que tudo acabou. É muito difícil conseguir que as pessoas que frequentam o novo rito da missa façam uma ação de graças adequada, rezando depois da missa, porque foram habituadas a falar em voz alta quando rezam, e não a se recolher em silêncio.

Aproveitemos o silêncio presente na Santa Missa para adquirirmos o hábito de rezarmos recolhidos. Esse recolhimento é necessário ao longo do dia, a cada dia. Do contrário, nos deixamos levar pelo impulso de falar, de agir com precipitação e sem reflexão. Também os animais agem sem reflexão e oração. Mas nós somos filhos de Deus e devemos considerar todas as coisas na oração, e sob o olhar de Deus.

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.

Os comentários estão fechados.

Navigate