Sermão do IV Domingo depois da PáscoaA importância do estudo para o católico

Toda a boa dádiva e todo o dom perfeito vem do alto, descendo do Pai das luzes.

(S. Tiago 1, 17)

 

Uma das coisas que os padres devem ensinar aos fiéis nos seus sermões é de que, a todo custo, não se afastem da luz natural da razão.

Deus deu ao homem a capacidade de conhecer a verdade, e essa capacidade natural, com a qual todo homem nasce, é chamada de inteligência. Ela tem, em si mesma, naturalmente, a capacidade de conhecer a verdade sobre as coisas, e ela fica incomodada, por assim dizer, quando fica diante de algo incoerente, contraditório, absurdo.

Como São João diz no começo do seu Evangelho, Deus ilumina todo homem que vem neste mundo. Ele ilumina todo homem, cada um de nós, de três modos: 1. pela capacidade natural da inteligência de conhecer a verdade, pelo estudo, pela reflexão, pela contemplação; 2. pelas verdades da fé, que Deus nos ensinou pela Revelação, e que a Igreja nos transmite; 3. pela sua graça, esse dom sobrenatural que ilumina nossa inteligência, move e fortalece a nossa vontade, a fim de que pratiquemos o bem e evitemos o mal.

Hoje gostaria de destacar somente o uso correto que devemos fazer da nossa inteligência, esse primeiro instrumento que Deus nos deu, o mais fundamental de todos, o primeiro de todos, com o qual nascemos, porque se nossa inteligência funciona mal, isso nos será a causa das maiores infelicidades, nesta vida e na outra. Cristo não disse outra coisa: “A lâmpada do corpo são os olhos, de sorte que, se os teus olhos forem bons, todo o teu corpo terá luz. Se, porém, os teus olhos forem maus, o teu corpo será tenebroso. Se, portanto, a luz que há em ti são trevas, quão grandes serão tais trevas!” (S. Mateus 6, 22-23). Se não queremos andar nesta vida como cegos, é necessário primeiro formar nossa inteligência para termos luz. Estou convencido de que muitas pessoas perdem a fé porque não estudam. Acabam se formando a ideia de que a doutrina católica é algo para pessoas carolas e ignorantes, mas essa visão é fruto da sua própria ignorância culpável. Medem a doutrina da Igreja com a régua de sua ignorância, e se deixam levar depois pelos argumentos mais ridículos contra a doutrina católica, e mesmo contra o bom senso.

O modo incontornável de formarmos nossa inteligência é estudando. Este é o modo ordinário, no sentido de habitual, normal, de nos formarmos. Como regra geral, Deus não dará nenhum conhecimento a quem quer que seja, de modo extraordinário (iluminações místicas, visões, aparições, etc.), quando esta pessoa pode obtê-lo pelo uso pessoal de sua inteligência natural. Deus não costuma indicar a alguém, por exemplo, que modo de vida ela deve ter, fazendo isso por uma aparição, um sonho, um sinal inquestionável, etc., etc… Ele dá, pelas circunstâncias da vida, pelos seus mandamentos, etc., tudo o que precisamos para tomarmos uma decisão razoável e que será do Seu agrado.

Ele não ensina a cada um de nós o que é certo ou errado, usando primeiramente de meios sobrenaturais. Deus nos ensina primeiramente pelo estudo. É absolutamente necessário estudar. Primeiramente, por bons livros. Livros que sempre foram recomendados pelos santos, pelos teólogos, pelos padres exemplares, pela prática constante da Igreja. Fugir de livros que tenham pensamentos inovadores, originais, arriscados, modos nebulosos de ver e de apresentar as coisas. O mesmo vale para artigos na internet, que geralmente são de péssima qualidade, seja na estrutura lógica da argumentação, seja nas idéias e nos princípios defendidos. Igualmente para a escolha de professores com os quais desejássemos nos formar. É necessário tomar cuidado com o que aceitamos e com as pessoas às quais damos confiança. Platão, no seu diálogo chamado Protágoras (313a-314b), repreende um jovem chamado Hipócrates (que não é o médico de mesmo nome) porque queria se confiar a Protágoras, um sofista, pretendendo ser formado por ele:

 

Sócrates: Vês o tipo de risco a que vais expor a tua alma? Se te fosse preciso confiar o corpo a alguma atividade que implicasse riscos, quer fosse boa, quer fosse má, ponderarias durante muito tempo se o confiavas ou não e chamarias os teus amigos e familiares para te aconselhares, refletindo durante dias a fio. Tratando-se, contudo, de algo muito mais importante que o corpo, a tua alma, na qual se sediam todas as tuas ações, boas ou más, consoante ela for boa ou má, a este propósito, não consultas nem o teu pai, nem o teu irmão, nem nenhum de nós que somos teus companheiros, para saberes se hás de confiar ou não a tua alma a este estrangeiro recém-chegado. (…) Pois é, Hipócrates, não achas que o sofista é uma espécie de comerciante ou retalhista de produtos, com os quais a alma se alimenta? A mim é o que me parece.

Hipócrates: E a alma alimenta-se de quê, Sócrates?

Sócrates: De ciência, creio eu. Ora, não é bom, meu amigo, que o sofista, elogiando os artigos que vende, nos seduza como o fazem o comerciante e o retalhista com os alimentos para o corpo. (…) Porque o perigo é muito maior na compra da ciência do que na compra de alimentos. Com efeito, ao comprares alimentos ou bebidas ao retalhista ou ao comerciante, podes transportá-los noutros recipientes, e, antes de beberes ou comeres, podes levá-los para te aconselhares, informando-te junto de quem souber, sobre se os deves comer e beber, ou não, e quando, e em que quantidade. Assim, o perigo na compra não é grande. Pelo contrário, a ciência não se pode meter noutro recipiente. É preciso pagá-la e metê-la na alma, e, uma vez assimilada, ir para casa, ou para sofrer dissabores ou para usufruir vantagens.

Como vemos, as pessoas prudentes sempre tomaram cuidado com as coisas que aprendiam, porque sabiam que inevitavelmente elas lhes dariam dissabores ou vantagens.

O que mais se encontra atualmente são pessoas defendendo, sob a aparência de Catolicismo, idéias absolutamente inaceitáveis: liberalismo filosófico e suas consequências políticas, morais, econômicas; o tradicionalismo perenialista e gnóstico, uma visão iniciática do Catolicismo e dos sacramentos; aparicionismos e misticismos sem qualquer fundamento na Sagrada Escritura, na Tradição, no Magistério, baseada totalmente no entusiasmo sentimental; a defesa da moral da Igreja em coisas certas, mas de um modo completamente sentimental e encharcado de sentimentalismo entusiasta, mas sem qualquer convicção doutrinária, num rigorismo sem fundamento, de modo pesado, rude, áspero (o que quase sempre acaba em desastres…).

Para muitos esclarecimentos sobre os enganos atuais aos quais as inteligências dos católicos estão expostas, recomento seriamente que leiam o sermão que o Padre Daniel Pinheiro, também do Instituto do Bom Pastor, fez sobre a direita e a esquerda, e que pode ser encontrado aqui.

Na prática, um modo eficaz de estudar é o de escolher um único assunto, para o qual temos mais aptidão, e que nos é mais necessário saber, não escolhendo algo por curiosidade, mas sim pelos frutos que devemos dar e nossas obrigações. A partir desse assunto, ir “puxando o fio”, por assim dizer, e ir aprendendo sempre coisas novas, com lógica e ordem. A unidade de assunto tende a garantir a unidade de pensamento e a ligação lógica entre as coisas, em nossa inteligência. Conheço, por exemplo, pessoas que se interessam muito por questões de família. A partir daí, podem ir estudando sempre mais a doutrina católica de modo organizado: o que é o matrimônio, o que são os sacramentos, o que e a graça, sua necessidade em geral e no matrimônio, as obrigações do matrimônio, suas consequências para o bem comum da sociedade, o que é uma sociedade, o que é um bem comum, etc, etc… Manter a unidade nos estudos é uma boa forma de mantermos as coisas unidas entre si na nossa inteligência, e de não fazer dela um amontoado de entulho. Mas, como falamos, venham nos pedir conselho, a nós padres, de como proceder, de como estudar, do quê estudar e quem é um mestre confiável ou do qual devemos fugir sem hesitar. Do contrário, as coisas acabarão mal, cedo ou tarde…

Tenhamos amor pelo estudo. Pelo estudo sério e ordenado, sem nos contentarmos com superficialidade e curiosidades, e todo nosso interior terá luz.

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.

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