Sermão do IV Domingo da QuaresmaA acídia

Enchei-vos de alegria por Jerusalém, todos os que por ela se entristeceram.

(Isaías 66, 10)

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.

Ave Maria…

Na seqüência das considerações sobre os vícios capitais, falaremos hoje da acídia, porque ela se opõe à alegria que se deve ter na vida católica. Um vício recebe o nome de capital quando outros pecados procedem dele como conseqüências naturais, como se de uma mesma cabeça procedessem muitos membros: “Assim como os homens praticam muitos atos visando o prazer, quer para consegui-lo, quer levados à ação pelo ímpeto do prazer; assim também fazem, por tristeza, muitos atos, quer para evitá-la, quer arrastados a agir pelo peso dela” (Suma Teológica II-II, q. 35, a. 4).

A palavra acídia vem do grego. Kedòs significa cuidado. O a no início da palavra tem valor de negação. Literalmente, acídia significa falta de cuidado.

Santo Tomás explica que a acídia pode ser tomada em dois sentidos. Primeiramente, de modo largo, como sendo uma tristeza e uma tibieza da alma para viver de modo virtuoso, por causa da dificuldade própria de se praticar atos virtuosos. A pessoa vê o esforço que terá que fazer para praticar o bem, e fica triste com isso. Neste caso será pecado venial, porque não lesa a boa obra no que ela tem de essencial. É o caso, por exemplo, de alguém que assistisse a Missa num dia de preceito, mas que se deixasse levar por muitas distrações (que não comprometessem o acompanhamento da missa) porque o fato de ter que ficar sentado em silêncio e recolhimento o deixa incomodado, por ser coisa difícil de fazer.

Num outro sentido, estrito, significa a tristeza para com a amizade de Deus, que só pode ser obtida pela observância dos mandamentos, e assim a pessoa não tem cuidado em ser amiga de Deus. Por exemplo, a pessoa que simplesmente não vai à missa num dia de preceito porque exige esforço, no nível mais básico da vida católica, que consiste em fazer o mínimo para ser amiga de Deus, e comete pecado grave sem se preocupar seriamente em pelo menos evitar os pecados graves. “É pecado mortal o que nos priva da vida espiritual, fundada na caridade, pela qual Deus habita em nós. Por onde, é mortal o pecado que, em si mesmo e por essência, contraria a caridade. Ora, tal é a acídia. Pois o efeito próprio da caridade é o alegrar-se com Deus” (Suma Teológica II-II, q. 35, a. 3).

A acídia é um vício que produz vários outros pecados, porque segue a seguinte lógica. “Como diz Aristóteles, ninguém pode permanecer por muito tempo na tristeza, sem nenhum prazer; por isso, da tristeza há de necessariamente vir duas consequências: primeiro, o homem se afasta do que o entristece; segundo, busca coisas que o agradem. Assim, as pessoas que não têm alegrias nas coisas espirituais, buscam os prazeres corpóreos” (Suma Teológica II-II, q. 35, a. 4).

A acídia gera seis filhas: 1. Tibieza no serviço de Deus, como negligência em preparar-se para receber os sacramentos, ou em administrá-los (quando se trata dos padres), ou rezar de qualquer modo. A pessoa age nessas coisas como se estivesse tomada por uma sonolência, se arrastando para fazer as coisas que tem obrigação, ou abandona tudo, ficando ociosa na vida católica; 2. A divagação da alma, que dá atenção para todo tipo de coisas ilícitas ou ocupações nada importantes, e não dá importância em rezar, estudar, se formar como católica. A alma fica vagando em direção a todo tipo de coisas, menos para aquelas coisas que são de Deus; 3. Pusilanimidade, olhando as dificuldades da vida católica como muito maiores do que realmente são, e deixando de fazer o bem porque acha que não conseguirá superar as dificuldades; 4. Como conseqüência lógica disso, desespero de que se salvará; 5. Náusea, ou aversão pelas coisas espirituais, querendo que elas não existissem, ou que Deus não nos as tivesse dado (desejando, por exemplo, nunca ter conhecido a religião católica, desejando nunca ter tido filhos, ou casado, ou ter sido ordenado sacerdote, ou mesmo ter nascido, etc.); 6. Rancor, combatendo efetivamente as pessoas que nos ensinam a verdade, ou que nos fazem o bem, ou que querem fazer isso aos outros.

Infelizmente não temos tempo para aplicar longamente essas verdades no modo como o mundo contemporâneo vive. Mas um pouco de reflexão já nos deixa ver como toda a vida contemporânea deve muito da sua existência à acídia: desinteresse por Deus e de saber se Deus existe ou não, se o homem tem uma alma ou não, que tenha obrigações para com Deus ou não, etc. (tibieza), o interesse doentio pelo mundo do entretenimento, por filmes, jogos, esportes, novelas, seriados, fatos banais da vida de todo mundo nas redes sociais (divagação da alma), falta de energia para se vencer a si mesmo e combater seus maus hábitos, formar definitivamente uma família, fazer projetos de vida que sejam sólidos e duradouros, etc. (pusilanimidade), desinteresse pela vida depois da morte (um dos modos de manifestar a falta de esperança em se salvar, porque ninguém se preocupa com aquilo que acha que já perdeu), desejo de construir uma vida sem Deus (porque tem náusea de ver na frente as verdades sobre Deus e de que elas governem a vida humana) e críticas à Igreja e à sua doutrina e moral (rancor).

Contra a acídia é necessário usarmos os remédios convenientes.

1. Considerar seriamente as ameaças que Deus faz aos tíbios: “Porque és morno, e não és frio nem quente, vomitar-te-ei da minha boca” (Apoc. 3, 16). Deus fala assim, não porque o tibieza seja pior que o pecado mortal, mas porque a acídia torna a prática do bem uma coisa tão pesada que a pessoa para de fazer o bem, e acaba se lançando em obras piores, e torna estéreis as graças que Deus lhe dá; 2. Considerar os inúmeros benefícios recebidos de Deus; 3. Conhecer algumas vidas dos santos, pela leitura de biografias sérias, que não sejam simples demais, e adoçadas de sentimentalismo, ver como passaram pelas mesmas dificuldades que nós, e como fizeram para vencer-se a si mesmos; 4. Considerar a recompensa que teremos no céu, e como as coisas desta vida passam como sombra; 5. Fixar uma quantidade de orações e boas obras por dia, e nunca fazer menos, nem se aventurar a fazer mais do que é razoável (ver isso com um padre prudente), correndo o risco de abandonar tudo quando não se consegue fazer o excesso que nos determinamos a fazer de modo imprudente.

Porque a salvação da alma é uma coisa que precisamos conseguir absolutamente, sob pena de sermos infelizes eternamente, mas sofrendo já nesta vida os inícios dessa tristeza que será eterna na outra.

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.

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