O Cânon da Missa: Parte II (Sua origem)Sermão da Sexagésima

Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.
Ave Maria…
Continuando algumas considerações sobre o Cânon da missa, devemos nos perguntar: Qual é a origem do Cânon do rito romano tradicional? De onde vieram essas orações que envolvem as palavras da Consagração, no rito romano tradicional?
Para responder estas perguntas, precisaremos de um pouco de reflexão, fazendo algumas associações, entre alguns escritos da Sagrada Escritura, dos Padres da Igreja, e algumas informações da tradição.
A tradição eclesiástica sempre disse que o Cânon da missa vem dos Apóstolos. É necessário reconhecer que não temos nenhum documento assinado e timbrado, pelas mãos dos Apóstolos, datado do primeiro século, que nos dê a evidência disso… Mas podemos olhar um pouco mais de perto as orações do Cânon, e ver que essa afirmação da tradição não é nem um pouco absurda. Ao contrário, uma análise do Cânon, feita de perto, nos mostra que essa afirmação da tradição é bem razoável. Além disso, exigir um documento do primeiro século, que prove de modo evidente a origem apostólica do Cânon, é um exagero típico de historiadores racionalistas que, de modo gratuito, colocam em dúvida de modo sistemático as tradições orais dos povos e da Igreja. E isso é um absurdo.
É um absurdo porque a tradição dos povos, e da Igreja, é na maior parte das vezes muito fiel. Quem não conhece a história da descoberta da cidade de Tróia, feita pelo arqueólogo Heinrich Schliemann, no século XIX? Ele era um firme defensor de que os lugares mencionados por Homero, nas suas obras, eram reais. E foi baseado nas obras de Homero, e nas descrições geográficas dadas em suas obras, que ele descobriu a cidade de Tróia.
E o Papa São Dâmaso I, décadas depois da horrível perseguição do imperador Diocleciano, que havia destruído muitíssimos documentos e monumentos cristãos, não encarregou o clero de Roma de ir atrás dos cristãos mais velhos, que tinham passado pela perseguição, para saber deles onde estavam os túmulos dos mártires, os locais pelos quais São Pedro e São Paulo tinham passado, e ensinado, e feito milagres, etc., confiando na memória deles, para que a história da diocese de Roma não se perdesse, fazendo depois um registro preciso do que a tradição dos antigos ia relatando?
Mas, voltando ao Cânon da missa, e o olhando de perto, vemos nele muitos elementos que nos indicam que de fato ele tem sua origem nos Apóstolos, e que vão no sentido afirmado pela tradição, de que esse rito de Roma veio dos Apóstolos.
O primeiro elemento é constituído pelas ideias presentes no Cânon. Elas são muito semelhantes às ideias presentes na Epístola de São Paulo aos Hebreus, sobretudo no que diz respeito aos sacrifícios oferecidos por Abraão e Melquisedeque, quando se diz no Cânon: Sobre estes dons, vos pedimos digneis lançar um olhar favorável, e recebê-los benignamente, assim como recebeste as ofertas do justo Abel, vosso servo, o sacrifício de Abraão, pai de nossa fé, e o que vos ofereceu vosso sumo sacerdote Melquisedeque, Sacrifício santo, Hóstia imaculada.” Ora, sabemos que São Paulo, juntamente com São Pedro, formou a diocese de Roma. Não há nada de espantoso, assim, se encontramos um paralelo entre as ideias de São Paulo sobre o sacrifício de Cristo, contidas em seus escritos, e as ideias contidas na liturgia de Roma.
O segundo elemento vem de um aparente problema justamente a respeito da autoria da Epístola aos Hebreus. Quem a lê se dá conta de que, por um lado, o estilo é completamente diferente do estilo de todas as outras epístolas de São Paulo mas, por outro lado, as ideias são perfeitamente conformes às de São Paulo. Para resumir a questão, um secretário de São Paulo teria redigido a Epístola aos Hebreus, sob os cuidados de São Paulo, tendo sido lida e aprovada por ele. Dando mais um passo em nosso raciocínio, vemos que o estilo da Epístola aos Hebreus é muito semelhante à Epístola de São Clemente aos Coríntios. Assim este secretário, provavelmente, foi São Clemente de Roma, que acompanhava São Paulo em suas viagens, que é citado por ele em suas epístolas e que foi Papa no final do século I. Deste modo, São Clemente também teria participado na primeira redação do rito de Roma, sob os olhares de São Pedro e São Paulo.
Em resumo, há elementos no Cânon da missa que indicam que ele tem sua origem, dentre outras, em São Paulo, por meio de São Clemente, que foi seu companheiro e finalmente Bispo de Roma. Estes elementos só fortalecem nosso conhecimento de que esse rito é propriamente o rito de Roma, desde o começo.
Finalmente, vemos que, antes das palavras da consagração do vinho, o sacerdote diz: “De igual modo, terminada a ceia, tomou também este precioso cálice em suas santas e veneráveis mãos, e novamente dando-vos graças, etc…”.
Notemos bem estas palavras, que não são gratuitas: “[Cristo] tomou também este precioso cálice em suas santas e veneráveis mãos“. Este cálice! Não qualquer cálice, mas este precioso cálice, este cálice que Cristo usou pessoalmente na Santa Ceia, e que por isso tem mais valor do que qualquer outro cálice! O que indica que quem usava este rito que rezamos, o rito romano tradicional, rezava a Santa Missa com o mesmíssimo cálice que Cristo usou na Última Ceia. E é muito razoável pensar que este cálice fosse usado no rito de Roma, por São Pedro, que havia sido nomeado por Cristo mesmo para ficar no seu lugar aqui na terra, para ser seu vigário (um vigário é uma pessoa que está no lugar de outra, na sua ausência): “Apascenta as minhas ovelhas” (S. João 21, 16), disse Cristo para São Pedro. E sendo o vigário de Cristo, era justo que o bispo de Roma rezasse suas missas com o mesmo cálice que Cristo usou na primeira missa da História.
O conjunto das orações da missa foi sendo constituído progressivamente ao longo dos séculos, mas suas raízes estão nos Apóstolos São Pedro e São Paulo, nos que os acompanharam e ajudaram a fundar e a governar Roma. Nossa adesão ao rito romano tradicional é uma declaração de total união ao chefe de Roma, ao chefe da Igreja, ao Vigário de Cristo. Sob esta missa estão dois mil anos de papado e de vida católica. Nossas orações têm origem nas mesmas orações que a primeira geração de cristãos em Roma dirigia a Deus cada vez que eram consagrados o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor nas missas que eram rezadas na Cidade Eterna.
Ao virmos aqui na Santa Missa, a primeira coisa que devemos fazer, interiormente, é abaixar nossa cabeça, por causa da veneração que essas orações merecem, por causa da veneração que merecem aqueles que as escreveram e que as usaram primeiramente, para não sermos culpados de impiedade no dia do Juízo, diante das orações mais santas e veneráveis da Igreja Católica. Cada um de nós deve cair em si mesmo, e se dar conta do que está acontecendo aqui quando a missa é rezada. Todo o Corpo Místico de Cristo volta os seus olhos para nós, e para o que é feito aqui. São Pedro e São Paulo, São Clemente, São Dâmaso, São Gregório, do alto dos Céus… todos eles, que compuseram pouco a pouco este rito.
Nossa conduta aqui nas missas deve ter toda a reverência que o rito antigo e venerável de Roma merece, que nós usamos para consagrar o Corpo e o Sangue de Nosso Senhor. E não guardá-lo para nós mesmos, mas levá-lo aos outros. Esse rito não é nosso. Ele é um tesouro de toda a Igreja, e devemos fazer todo nosso esforço para que ele seja efetivamente dado para toda a Igreja, ajudando as pessoas a conhecê-lo, e os padres a rezá-lo.
Em nome do Pai e do Filho + e do Espírito Santo. Amém.

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